segunda-feira, 30 de junho de 2014

Notas dos Oitavos-de-Final (1)

Brasil-Chile

O Brasil de Scolari, com um futebol aos trambolhões, lá vai ultrapassando os obstáculos que lhe aparecem pela frente, mas está quase tudo errado: é o duplo pivô que só serve para destruir jogo, é o ponta-de-lança dos anos 80 que só lá está para responder a cruzamentos, é Neymar a jogar por dentro, é Oscar a jogar por fora, é Willian, Hernanes e Bernard praticamente sem minutos, são as substituições troca por troca em qualquer altura do jogo…Não há organização, não há ideias, não há jogo interior, é fé no Neymar e esperar que ele faça umas coisas giras com a bola. Este Brasil, a jogar em 3x5x2 com Júlio César, Thiago Silva, Dante, David Luiz, Dani Alves, Marcelo, Fernandinho, Hernanes, Oscar, Neymar e Hulk e com Sampaoli no banco, era a selecção mais poderosa em prova e a maior candidata à vitória final, talvez a par da França. Assim como está, claramente não é e, apesar do factor casa e das individualidades de luxo que tem, acho que é uma questão de tempo até ficar pelo caminho, como o Chile, aliás, se encarregou de demonstrar. O Brasil teve as melhores oportunidades de golo? Talvez, mas só quando o Chile rebentou fisicamente e foi obrigado a jogar num bloco mais baixo, um registo em que claramente não se sente tão confortável. Até lá, o jogo foi repartido e o Júlio César também teve que ser chamado a intervir um par de vezes. E se aquela bola à trave do Pinilla tem entrado…Scolari está a meter-se a jeito, a única dúvida que há é saber durante quanto mais tempo é que a sorte vai durar. De resto, nota muita negativa para Howard Webb, que continua a demonstrar uma falta de categoria nada consentânea com a distinção de «melhor árbitro do mundo». É preocupante que um árbitro tão reputado não saiba o que é uma falta nem um cartão amarelo.

Colômbia-Uruguai

A Colômbia, sob a batuta daquele que é, para mim, o melhor jogador do Mundial até à data, James Rodríguez, despachou o Uruguai por 2-0 e já está nos quartos-de-final. No entanto, a equipa de Pekerman, embora seja uma das boas selecções da prova, não é tudo aquilo que dizem que é. Ofensivamente tem alguma qualidade (o primeiro golo de James é sensacional, mas é a jogada que dá origem ao segundo golo que melhor ilustra aquilo que esta equipa é capaz de fazer no ataque), mas falta imaginação no meio-campo (Guarín? Quintero?) e, sobretudo, maior qualidade nos processos defensivos. Mau controlo da largura, mau controlo da profundidade, linha defensiva muitas vezes mal alinhada, muito espaço entre linhas…Quando há tempo para formar duas linhas de quatro elementos bem definidas, ainda disfarça, mas quando isso não acontece, abrem-se buracos por todo o lado, que podem ser aproveitados por uma equipa com mais qualidade do que Grécia, Costa do Marfim, Japão e Uruguai. Sinceramente, via o Chile com mais capacidade colectiva para eliminar o Brasil, mas a Colômbia também vai ser um osso duro de roer e não foi à toa que fez o pleno de vitórias até agora. Quanto ao Uruguai, são aquilo que já eram em 2010, quando beneficiaram e muito de um sorteio favorável para chegarem às meias-finais do Mundial da África do Sul: uma selecção de rapazes pouco talentosos (Tabárez certamente deve ter um conjunto recheado de opções, para se dar ao luxo de deixar Lodeiro e Gastón Ramírez no banco de suplentes…), cujas maiores armas são a disponibilidade física e a agressividade. Não vão deixar saudades.


Holanda-México

A Holanda é um caso parecido com o do Brasil, mas sem a parte da qualidade individual. Sim, porque tirando Van Persie e Robben, que são de outro campeonato e ainda estão na plenitude das suas capacidades, esta selecção holandesa tem um conjunto de jogadores relativamente modesto. Há ali mais dois ou três jogadores de bom nível, alguns deles já em final de carreira, e pouco mais. Além disso, a equipa tem uma organização sofrível (é doloroso ver Van Gaal, que é só um dos treinadores que mais contribuiu para a evolução do jogo, a mandar os seus jogadores marcarem homem-a-homem no campo todo…) e pura e simplesmente não sabe o que há de fazer à bola quando a outra equipa não lhe deixa espaço para jogar. Com tantos defeitos, como se explica que tenha levado de vencida um adversário tão bem organizado como o México? Há duas explicações para isso: em primeiro lugar, o recuo estratégico do México que, depois de uma boa primeira parte, quis defender a vantagem demasiado cedo e deixou-se encostar às cordas; e em segundo lugar, as alterações cirúrgicas de Van Gaal, que deram a Robben a liberdade de movimentos que ele não tinha tido até aí. O resto é a categoria individual do extremo do Bayern, de cujos pés saíram praticamente todos os (poucos) lances de perigo da Holanda e que ainda ganhou, no último fôlego, o penalty que daria o 2-1. No entanto, apesar da derrota, esta selecção mexicana deixa uma imagem muito positiva neste Mundial e, no meu entender, merecia ser tão falada como o Chile ou a Colômbia, só para dar dois exemplos de selecções do mesmo patamar competitivo. A sua organização defensiva, por exemplo, é estupenda e é a prova de que é perfeitamente possível criar rotinas e automatismos numa selecção, mesmo com o menor tempo disponível para treinar. Depois, claro, é o mesmo problema de sempre - faltam executantes que consigam transportar esta proposta de jogo para outra dimensão.

Costa Rica-Grécia


Há poucos chavões que me irritem mais no futebol do que este: «Cada um joga com as armas que tem, esta Grécia não dá para mais…» Tretas. Se uma equipa que conta com jogadores como Torosidis, Manolas, Sokratis, Holebas, Katsouranis, Karagounis (se tem 37 anos, não parece…), Kone, Lazaros, Fetfatzidis, Samaras, Salpingidis, Gekas e Mitroglou não tem qualidade individual para mais do que defender com muitos e bombear bolas para a frente o jogo todo, não sei quem é que tem. Tanto tem que contra a Costa Rica fez uma primeira parte bem agradável, com um futebol mais apoiado do que é costume, e em que podia inclusivamente ter-se adiantado no marcador. Se não querem jogar tudo o que sabem porque acham que não lhes vai trazer resultados e preferem adoptar uma postura mais calculista e menos arriscada, tudo bem, é uma opção e não tenho nada a ver com isso. Agora não me venham é dizer que o fazem porque não têm matéria-prima, porque isso é mentira! Quanto ao jogo em si, foi pautado pelo equilíbrio, com um ligeiro ascendente da Grécia na primeira parte e com uma Costa Rica mais perigosa na segunda parte, pelo menos até à expulsão. A partir daí, a Grécia tomou conta do jogo, mas sem grande engenho e acabou por marcar quando pouco tinha feito para aproveitar a vantagem numérica. No prolongamento, aí sim a história foi outra, com a Grécia a fazer o que lhe competia e a conseguir várias vagas de ataque, que esbarraram sempre nas mãos do excelente guarda-redes da Costa Rica, Keylor Navas. Foi injusto perderem nos penaltis? Sem dúvida, mas não lhes fez mal nenhum provar um pouco do seu próprio veneno... Do lado da surpreendente Costa Rica, além da organização defensiva, que é do melhor que se viu neste Mundial e que vai certamente causar muitas dificuldades à Holanda, apetece-me destacar um jogador em particular. Sim, eu sei que o Campbell é o jogador da moda, porque é irrequieto, vai para cima e não pára quieto um segundo, mas não é dele que vou falar…Vou falar antes do número 10, Bryan Ruiz. Já tem 28 anos, joga a passo e o melhor que conseguiu na carreira foi um Fulham da vida, mas é só o melhor jogador desta Costa Rica. É o mais inteligente, o mais criativo, o mais maduro. Acelera quando tem que acelerar, temporiza quando tem que temporizar, percebe sempre o que se está a passar à sua volta com extrema facilidade e quando pega na bola, não há ninguém que lha tire. Mas será que ninguém lhe pega? Num colectivo forte, que jogasse um futebol apoiado, de pé para pé, teria sido melhor aproveitado e teria tido certamente uma carreira com outra expressão. Um dos craques deste Mundial.




domingo, 29 de junho de 2014

O Aluno e o Mestre

Acabou o sonho do Mundial para o Chile. A selecção de Alexis Sánchez, Vidal e companhia foi eliminada pelo Brasil nas grandes penalidades, após um jogo espectacular, com duas selecções de grande qualidade e com muita qualidade individual em campo. Mas, além das estrelas presentes dentro das 4 linhas, existem também estrelas na parte de fora do rectângulo de jogo cuja influência sobre quem está lá dentro é enorme. É o caso de Jorge Sampaoli, seleccionador chileno.

Sou um fã declarado de Sampaoli desde os seus tempos na Universidade do Chile. Na altura, a formação chilena jogava e encantava pela América do Sul, vencendo a Copa Sul-Americana em 2011 e chegando às meias-finais da Copa Libertadores em 2012. E o líder daquela equipa dava nas vistas, pelas ideias alternativas e pela facilidade com que as implementava na sua equipa. Don Sampa é mesmo assim: tem uma facilidade tremenda em fazer os seus jogadores entenderem aquilo que pretende. Uma das suas muitas qualidades. É o próprio que afirma acreditar que unir os jogadores pelo prazer de jogar futebol e não por obrigação é o primeiro e o mais importante passo para fazer os jogadores darem 110%. Hoje (ontem) a sorte não quis nada com ele. Fez tudo o que estava ao seu alcance, mas a sorte traiu-o. Primeiro, no último lance do prolongamento, quando Pinilla atira à barra, e depois, no último penalti, que Jara cobra "bem de mais" e atira ao poste. 2 sinais de que este não era o dia do Chile, por muito que tenham procurado o sucesso.

Mas a passagem era merecida. A forma como esta selecção de Sampaoli se apresenta em campo é deliciosa. Desde logo, pela atitude. O Chile encara todos os adversários da mesma forma: ao ataque. É uma equipa que não gosta de defender, mas sim de ofender o adversário. Atacando-o incessantemente, superiorizando-se fisicamente e demonstrando uma classe superior com bola. Defensivamente, são incansáveis. Uma pressão alta e sufocante, durante todo o jogo, de forma colectiva. Pressionam, não só a bola, mas também as linhas de passe mais próximas do portador. E fazem-no em qualquer zona do campo. A sua ousadia defensiva não conhece limites, tanto em termos colectivos, como em termos individuais. E depois, ofensivamente, jogam um futebol bonito, rápido, vertical, apoiado e com uma excelente relação com a bola. Atacam maioritariamente pelos corredores laterais, mas não têm problemas em fazê-lo também pela zona central. Intensidade, verticalidade, bola no pé. Percebe-se porque razão Sampaoli é identificado como um dos discípulos de "El Loco", Marcelo Bielsa.

E é exactamente aqui que o título deste artigo se envolve no corpo do texto. O "aluno" Sampaoli, até aqui, já tinha demonstrado seguir da melhor forma o "mestre" Bielsa. Mas Don Sampa é especial. Segue a filosofia "Bielsiana", mas acrescenta-lhe outra qualidade defensiva e outra intensidade (que já de si é imensa). E acrescenta-lhe também outras ideias. Inova. Pensa o futebol de uma forma única. Cria uma nova filosofia. A filosofia "Sampaoliana".

Será este um dos casos em que o aluno ultrapassa o mestre? O tempo o dirá. Mas estou tentado a apostar que sim.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Parabéns, Román.


Faz hoje 36 anos que nasceu um dos (poucos) jogadores que simboliza a  mística de um número composto por dois dígitos e que fazem o futebol ter sentido.
As palavras serão sempre insuficientes para descrever a classe dos seus pés e a magia da sua cabeça. Se me pedissem para referir um jogador que personifica tudo aquilo em que, futebolisticamente, acredito, só seria capaz de dizer : Riquelme.
A sua carreira sem títulos significativos, sem números representativos e sem clubes de referência que sustentam a designação "melhores de sempre" não conseguem contrapôr a certeza daqueles que acreditam na beleza pura (e rara) do futebol: da sua imprevisibilidade, da sua riqueza e até mesmo da sua ... facilidade.

Poucos mais há a dizer: Feliz Cumple, Señor Diez.


"Esta és una ovácion para el Señor Fútbol, esta és una ovácion para Juán Román Riquelme"


segunda-feira, 23 de junho de 2014

Fim de ciclo

Com o resultado de ontem, e a mais que provável eliminação, torna-se evidente que chegamos a um fim de ciclo em várias vertentes. Vamos por partes.

Em primeiro lugar, representa um fim de ciclo para esta geração, jogadores como Bruno Alves, Raúl Meireles, Ricardo Costa e Hélder Postiga (estes os mais óbvios) terão tido uma última oportunidade de jogar pela selecção Nacional. No entanto, o futuro está assegurado, assim ajudem os clubes, com uma geração que parece bem mais talentosa que esta.


Será também o fim de ciclo (assim o espero), para esta ideia dos estatutos e da experiência (viu-se ontem como teria dado jeito a inexperiência de Wiliam mais tempo), e o surgir de uma época onde os jogadores são convocados de forma meritória e de acordo com aquilo que podem oferecer à equipa num curto espaço de tempo, que é a forma como estas competições são jogadas.

Quem também está em fim de ciclo, é Paulo Bento. Incrível que tenhamos tantas lesões em tão pouco tempo, o que não pode ser coincidência, incrível que não se consiga ter um pensamento colectivo em momento algum do jogo. Repare-se na imagem, vemos Bradley de frente para a linha defensiva portuguesa, com tempo e espaço para colocar um passe nas costas no colega que ataca a profundidade. Miguel Veloso, como é seu apanágio, acha que a pressão ao portador da bola se faz com os olhos a mais de 10 metros, talvez na esperança que este fique a admirar a beleza do Miguel, mas, o pior nem é isso. Repare na resposta dos 4 defesas de Portugal, é incrível como fazem coisas contrárias, como tem pensamentos e análises tão diferentes de um lance, não podem treinar este tipo de situações. Enquanto Ricardo Costa, e bem porque Bradley não está pressionado, a bola não está "coberta", tira a profundidade, Bruno Alves fica parado, à espera não se sabe bem do quê. Note ainda o excessivo espaço entre os 4 defesas portugueses, que vai permitindo espaços para que os avançados ataquem a profundidade (aconteceu muitas vezes ontem) e ainda, a intenção dos EUA de criarem superioridade numérica do lado esquerdo português.


Mas não é só no momento defensivo que Portugal não faz ideia do que anda a fazer, também ofensivamente é tudo muito rudimentar, consiste em jogo exterior para cruzamentos, na esperança que um defesa falhe ou que apareça alguém a dar uma cabeçada, e ainda bastantes remates de fora da área, na esperança que um deles entre.

Para terminar, e para mim esta parte é a mais importante, espero que seja o fim de ciclo do paradigma que se vive agora na selecção. Desde 2010 que assistimos a uma equipa de grandes jogadores mas que está formatada para jogar como uma equipa pequena, como a Arménia. Desde 2010 que se assiste a uma Ronaldização, acha-se que Ronaldo é perigoso com 30 metros para correr (o que é bastante redutor, pode não ser muito criativo no passe no último terço, mas a jogar dentro de área, a arranjar espaço para chutar ou a pedir a bola nas costas, mesmo nos últimos metros e sem espaço, é fora de série) e então toca a mudar a mentalidade, há que privilegiar menos a posse, menos o controlo em detrimento da vertigem, da pressa e toca a jogar para o Ronaldo e não com o Ronaldo, sendo que mesmo este acusa bastante essa pressão, com decisões erradas umas atrás das outras, isto porque parece que só ele existe, que só ele tem qualidade. Não me parece de todo a melhor forma de aproveitar Ronaldo, que só tem a ganhar se Portugal jogar mais no último terço, mais perto da baliza adversária, se voltarmos ao tempo de Figo e Rui Costa e do próprio Ronaldo. Para além disso, esta mudança de paradigma servirá mais facilmente para integrar todo o potencial criativo que aí vem com Iuri, Bernardo e Gonçalo, por exemplo.

O desnorte em 10 segundos

Comportamentos defensivos novamente. Como não se deve fazer.

Bradley baixa para pegar no jogo e sai a jogar curto para um colega que faz um movimento semelhante ao seu. Ricardo Costa acompanha o seu "osso" até ao meio-campo adversário.



A bola entra no lateral-esquerdo Beasley. Nani novamente apático na pressão (deu golo hoje como deu contra a Alemanha). Ricardo Costa está agora a pressionar o portador da bola para lá do meio-campo defensivo do adversário.



Num ligeiro momento de clarividência, Ricardo Costa apercebe-se que está 60 metros afastado de onde deveria estar e numa corrida desenfreada regressa ao local de partida. Grave também é verificar que nenhum dos seus colegas ocupou o lugar desprotegido do sector defensivo. Ia chamar-lhe "linha defensiva", mas não consigo.





domingo, 22 de junho de 2014

Equipa de Homens?

"Temos de ser uma equipa de homens" - Paulo Bento.

Depois de uma pesada derrota contra a candidata Alemanha, que expôs ainda mais as debilidades patentes da nossa Seleção, hoje apela-se à atitude, à raça, ao querer e à determinação. Curiosamente, tudo aspetos que estiveram mais que presentes no jogo da 1ª ronda. O problema de Portugal não foi e raramente é a falta de atitude. É um chavão muitas vezes usado por quem não sabe como mais explicar as derrotas e maus resultados de determinada equipa ou jogador.

"Olha para eles, andam ali a passo!" ou "Estes nem sequer suam a camisola, havia de ser eu!". Qualquer jogador que entre em campo, salvo algumas excepções, joga para ganhar, ainda para mais a este nível. A quem olha de fora pode dar a ideia que em certos momentos o jogador X está desinteressado, que não corre porque não quer e por isso merece ser criticado. Mas se quem opina o faz sem as bases corretas corre o (grande) risco de dizer asneiras. E se assim o fizer irá certamente influenciar a opinião de outros, que por sua vez acabam por ceder à tentação da crítica fácil sem sequer ponderarem as verdadeiras razões. Infelizmente este acaba por ser o raciocínio de muita gente. À falta de vontade para pensar bem nas coisas, subjugam-se à crítica fácil.

Mas deixando de lado este pequeno desabafo, há que pensar, com cabeça, naquilo que nos espera hoje. Como em tudo na vida, a adaptabilidade a diferentes situações é uma qualidade extremamente útil mas sem nunca pôr de lado a nossa identidade. No futebol o pensamento aplica-se na mesma medida. Qualquer equipa que jogue primariamente em função do adversário estará destinada a sofrer com a caoticidade do jogo.

Setores afastados, marcações individuais, dificuldades enormes em controlar os espaços, ineficácia em posse, dependência das transições para Ronaldo, falta de linhas de passe próximas ao portador, desiquilíbrio no posicionamento das coberturas. Estas foram algumas das razões objetivas daquilo que se passou no último jogo dentro das 4 linhas para Portugal perder, e bem, contra uma seleção muito mais inteligente e adulta. Não foi falta de atitude ou de querer. Foi falta de cabeça. Falta de ideias. Falta de maturidade tática.

Veremos como hoje responderá no campo a equipa liderada por Paulo Bento. Estragos foram feitos mas nada que não seja (em parte) passível de ser resolvido. Antes de mais, colocar em campo quem melhor pode contribuir para o sucesso da equipa: William e Amorim e Postiga. E deixar de depender tanto de Ronaldo.

sábado, 21 de junho de 2014

O mutante amorfo de Sabella

Numa exibição cinzentona e reveladora de muitas fragilidades colectivas, a Argentina só não baqueou frente ao Irão de Queiroz por contar nas suas fileiras com um jogador capaz de desequilibrar o mais equilibrado dos jogos. Após 90' de dificuldades manifestas para circular a bola por dentro do bloco defensivo bem organizado do Irão, e para ter bola em zonas que não fossem aquelas em que o Irão estrategicamente definia como zonas 'permitidas' para o adversário ir tendo a bola, o génio do costume sacou um coelho da cartola a deu a vitória numa bandeja a Sabella que passou o jogo e a sua preparação completamente aos papéis.


Mas afinal, o que esperar de uma equipa que apresenta três disposições estruturais diferentes num jogo, e que inicia o jogo seguinte ainda noutra estrutura completamente diferente de qualquer uma das anteriores? Numa selecção com a variedade e quantidade de talentos individuais como os que Sabella tem à disposição, importa criar condições e ideias para que esta qualidade vá dando frutos e resolvendo jogos, mas Sabella esqueceu-se de trazer as ideias na bagagem na (curta) viagem ao Brasil. Os argentinos iniciaram o jogo frente à Bósnia num 5-3-2 muito pouco ortodoxo e racional na ocupação dos espaços. Inicialmente pela formatação e habituação que os olhos mais treinados podem ter ao jogo, parecia mesmo um 3-5-2, mas era só até percebermos que um dos defesas laterais era Rojo, que pelas suas características dificilmente poderia dar a profundidade que esse sistema pede à sua posição. À sua frente jogava Di Maria, que parece perder muito daquilo que melhor sabe fazer a médio interior, e Maxi Rodriguez, que jogou no Atlético Madrid e no Liverpool e que goza reforma antecipada, de volta ao seu país de origem. Na frente, dois nomes de peso: Kun Aguero e Messi.



Perante as dificuldades que ia tendo - só marcou de bola parada, que parece ter sido a única forma também de assustar o Irão hoje (quem tem Garay, Fernandez, Campagnaro ou Rojo arrisca-se a consegui-lo) - Sabella muda para o sistema que por definição parece no futebol actual ocupar melhor o espaço em todos os momentos, o 4-3-3. Soa quase como uma tentativa de ocupar espaços racionalmente e confiar no talento de quem lá está dentro... Passando por muitas dificuldades, vai segurando o jogo e Messi dá a estocada final na Bósnia. Nos minutos finais a Bósnia reduz e, receoso, faz entrar Biglia que fazendo uma dupla de dentes arreganhados na ponta da chuteira com Mascherano, em 4-2-3-1 sacode os fantasmas e faz a Argentina triunfar.


Foram visíveis ainda assim, nos minutos finais, lances em que a equipa a vencer 2-1 em cima do apito final defendia nos últimos 30 metros com... 6 jogadores: os quatro elementos da linha defensiva, Mascherano e Biglia. Isto ilustra um problema que o 5-3-2 de Sabella parece intensificar mais ainda: parece haver uma divisão demasiado declarada de quem ataca e de quem defende, existem jogadores que são passivos e ocupam zonas mais adiantadas no processo defensivo, e em construção as dificuldades em ligar o jogo são imensas.


Esta é, aliás, a prova de que as ideias (boas ou más) são na sua maioria transversais aos sistemas. Hoje a Argentina defrontou um Irão de linhas baixas e de espera num 4-4-2 com um duplo pivot defensivo (Gago e Mascherano), uma linha de quatro em que Rojo era novamente lateral, com Messi deslocado para um corredor lateral, Di Maria também por fora e na frente Higuain e Aguero. O resultado foi que a posse da Argentina foi absolutamente estéril por falta de referências interiores no processo criativo com bola. Messi bem tentava aproveitar a profundidade de Zabaleta e fugir para dentro por um espaço que chorava por ocupação, mas a Argentina ataca mesmo na maioria das vezes num gigante quadrado: duplo pivot, extremos bem abertos e dois avançados. Com uma circulação lenta e previsível, com os jogadores colocados por fora do bloco iraniano como queria Sabella fazer oscilar a estrutura adversária e resolver aquele puzzle? Mais exasperante que Sabella demorar até aos 77 minutos para mexer na equipa, e procurar que alguém ocupasse aquele espaço central de forma estrutural e como ponto de partida dos seus deslocamentos, só o facto de o ter feito tirando os dois avançados e mantendo a dupla Gago e Mascherano.


Facto curioso: foi o novo e primeiro habitante desse espaço táctico que marcou o golo que resolveu o jogo. Esqueçamos por momentos que se trata de um extraterrestre e lembremo-nos que apenas o conseguiu fazer partindo daquela zona. Fica a questão: quando as individualidades se equivalerem ou quando Messi não estiver lá para depois dos 90' resolver, como vai ser?

Costa Rica: o "Tomba-Gigantes"

É oficial: a Costa Rica é a surpresa deste Mundial. Incluída no grupo D, juntamente com Inglaterra, Itália e Uruguai, poucas pessoas augurariam aos costa-riquenhos uma boa participação na competição. Eventualmente poderiam pontuar e dificultar as coisas às outras 3 selecções, mas as expectativas ficavam-se por aí e era quase uma loucura prever uma qualificação para os oitavos-de-final para esta selecção oriunda da América Central.

Ora, finalizada que está a 2ª jornada no Grupo D, a Costa Rica tem 6 pontos, decorrentes de duas vitórias (3-1 ao Uruguai e 1-0 à Itália), e é a primeira selecção do grupo a qualificar-se para a próxima fase. Um "semi-milagre". E digo "semi-milagre", pois esta qualificação não caiu do céu. Há mérito, mas sobretudo, há muito trabalho de qualidade nesta selecção.

Comecemos pelo aspecto defensivo. A Costa Rica é uma selecção que defende em 5-4-1, com uma linha de 5 defesas (Díaz na esquerda, Gamboa na direita e Umaña, Duarte e González no meio), 4 médios (Bolaños na esquerda, Ruiz na direita e Tejeda e Celso Borges no meio, com Tejeda mais posicional e Borges a sair mais na pressão ao portador da bola) e o Joel Campbell na frente. Defendem sempre num bloco baixo, mas bem trabalhado e coordenado. Numa primeira fase, a pressão é apenas passiva, sem uma clara intenção de forçar o erro. Convidam o adversário a avançar no terreno e a colocar a bola entre linhas, onde aí sim, a pressão é intensa e está bem trabalhada. O central do lado da bola avança no terreno e sai ao portador da bola, enquanto o resto da defesa ajusta para jogar a 4 (o central que joga mais no centro faz a cobertura ao central que sai à bola). Os 2 médios jogam de perfil e formam uma segunda linha, procurando estar bem posicionados para eventuais segundas bolas, com os alas a fecharem por dentro, numa linha mais avançada que os médios, formando uma espécie de quadrado na zona central.

Quando a bola é metida em profundidade, à procura do espaço nas costas da defesa, também é visível a coordenação da linha defensiva e a boa leitura de jogo dos defesas. Sobem em bloco e de forma organizada, para encurtar o espaço, e isso leva a que os jogadores adversários fiquem constantemente em posição de fora-de-jogo. No jogo de ontem, os italianos foram apanhados 11 vezes em situação de fora-de-jogo. Mario Balotelli, o avançado da equipa italiana, lidera agora este Mundial em...foras-de-jogo. 6. E ainda existiram mais 2 lances onde o evitou apenas devido ao génio de Pirlo e à sua estratosférica capacidade de passe, que conseguiu evitar uma quase perfeita subida da linha defensiva costa-riquenha, como podem observar neste vídeo (o 3º, aos 07:00 e aos 07:41, respectivamente).

No aspecto ofensivo, a Costa Rica faz-se valer das transições e da qualidade individual dos seus jogadores mais ofensivos (Ruiz e Campbell são jogadores acima da média, e Bolaños também é bastante evoluído tecnicamente e no entendimento do jogo, sabendo quase sempre dar o melhor seguimento à bola). No entanto, estes jogadores inserem-se numa organização ofensiva bem trabalhada e equilibrada. A construção inicia-se normalmente com a procura de Joel Campbell, que serve de referência para fixar a bola num primeiro momento, saltando muitas vezes uma fase de construção. Este sai frequentemente do meio dos centrais e vagueia bastante pela frente de ataque, procurando receber a bola nos corredores laterais ou aproveitando o espaço entre o central e o lateral para dar profundidade e para procurar concluir a jogada rapidamente e com poucos toques na bola. A equipa procura sempre manter o equilíbrio. O lateral do lado da bola dá maior largura, enquanto que o lateral do lado contrário é mais contido e fica mais recuado. No meio, Celso Borges é o "box-to-box" e solta-se mais, procurando aparecer no último terço do terreno para fazer o último passe e/ou para finalizar, enquanto que Tejeda é o médio mais posicional, que se fixa mais pela zona central e que procura sempre equilibrar a equipa quando em organização ofensiva.

Pelas alas, tanto Bolaños como Ruiz procuram sempre o espaço interior, embora de formas diferentes. Bolaños fá-lo com bola e procura sempre causar o desequilíbrio. Por ser bastante evoluído tecnicamente, é um perigo constante para a defesa adversária. Tanto procura a meia-distância como transporta para o meio, apenas para abrir o espaço no corredor para a subida do lateral esquerdo, Díaz. Já Ruiz é uma das pedras basilares desta selecção. Procura sempre aparecer entre linhas e é frequente vê-lo a ocupar o espaço entre os centrais quando Campbell vem procurar a bola aos corredores. É um "vagabundo" no ataque, aparecendo em qualquer um dos corredores (laterais ou central), para receber a bola ou para arrastar o defesa, criando o espaço. As suas movimentações, em conjunto com as de Campbell, causaram o pânico entre os defesas italianos, que se dão claramente melhor quando possuem uma referência fixa naquela zona.

O lance do golo sumariza muito do que é a Costa Rica em termos ofensivos.



Bolaños, no espaço interior, abre espaço para a subida de Díaz no corredor esquerdo, coloca-lhe a bola, e sai o cruzamento para a área, onde Ruiz, que aparece sempre perto de Campbell, finaliza de cabeça ao 2º poste.

Esta selecção da Costa Rica tem todo o mérito e é, até agora e com toda a justiça, a melhor equipa do Grupo D. Uma selecção muito bem trabalhada em todos os momentos do jogo, e que consegue fazer omeletes com ovos que não são propriamente da melhor qualidade. E uma selecção que contraria vivamente a velha máxima de que "em tão pouco tempo, não é possível para um seleccionador criar rotinas e estruturar com qualidade uma equipa". É possível, sim. E os costa-riquenhos são a prova viva disso.

Comportamento Defensivo

O jogo é o de ontem, que terminou com a vitória dos equatorianos. A primeira grande oportunidade do jogo surge à passagem do minuto 20: passe longo para as costas da defesa, avançado do Equador isolado mas o remate sai torto.

Emilio Izaguirre é um lateral-esquerdo hondurenho de 28 anos. Vai para a sua quinta época na Europa, sempre ao serviço do Celtic, e saltou para os radares de alguns tubarões europeus (Manchester United sobretudo) após uma eliminatória da Champions, salvo erro em jogos contra o Barcelona. Na selecção partilha o sector mais recuado com Figueroa, um dos consagrados da equipa, e com outros 2 jogadores desconhecidos.





Comecemos pelo início: avançados não pressionam e deixam o portador da bola definir à vontade, com tempo e espaço; homens da intermediária posicionados na mesma linha, possibilitando jogar curto e entre-linhas no ala direito equatoriano que vem buscar dentro; sector defensivo demasiado focado nas referências individuais, demasiado espaço entre jogadores e...Izaguirre, que há 5 anos joga na Champions League.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Veloso e os Marcadores Somáticos

Tem sido amplamente discutida nos últimos dias a pertinência da decisão de Veloso nos primeiros minutos do Portugal - Alemanha, quando após roubar a bola a Lahm na primeira fase de construção alemã, e encontrando a defesa alemã inevitavelmente desequilibrada, opta pelo passe a Ronaldo. De forma geral, a decisão tem sido catalogada como errada. Consegue-se perceber porquê, mas será que chega a análise superficial?

Do ponto de vista meramente teórico, de situação de 3x2+1 em que os jogadores são meros intérpretes de uma situação hipotética, percebe-se quem defende o erro de Veloso. Ronaldo chega posteriormente, Almeida já lá estava. Almeida estava em zonas interiores (mais perto da baliza), Ronaldo recebe a bola na lateral e num ângulo desfavorável. Mertesacker comporta-se superiormente: perante a cobertura de Hummels encurta caminho ao portador e abranda ligeiramente quando sente o deslocamento de Ronaldo nas suas costas. E agora, Veloso?




Veloso opta por Ronaldo porque as decisões no futebol não acontecem ao acaso. No futebol, como na vida, no nosso subconsciente durante aqueles milésimos de segundos joga-se um jogo probabilístico e emocional de alta intensidade que tem tremenda influência quando somos forçados a tomar decisões deste calibre. A grande matriz impulsionadora desta tomada de decisão são as experiências anteriores que se fazem representar no nosso cérebro por marcadores somáticos, terminologia sustentada e superiormente defendida por António Damásio no seu Erro de Descartes. Isto parece fazer ainda mais sentido em algo tão imediato e tão rápido como uma decisão deste género: se para tomar a decisão o nosso cérebro precisasse de uma reflexão profunda sobre o assunto a oportunidade desvaneceria-se.


Os marcadores somáticos associam emoções e estados fisiológicos positivos a decisões. Se perante o estímulo da decisão x o meu colega falhar o golo no treino, e perante a decisão y em que eu opto por outro colega ele conseguir marcar, provavelmente eu optarei mais vezes pela decisão y. Associa-se a ela um estado fisiológico positivo, um marcador somático que marca positivamente aquela decisão. O contrário também se passa: se de todas as vezes em que eu tento fintar no treino perder a bola, ou receber feedback negativo do treinador, o marcador somático negativo associado a esse processo fará com que eu evite aquele comportamento. Se por outro lado eu tiver particular sucesso a rematar de fora da área, não preciso de incentivo: da outra vez correu bem, porque não? Isto explica, por exemplo, porque é que os finalizadores em crise de confiança evitam o remate, procuram situações alternativas, escondem-se desse momento do jogo.

Passando à situação concreta, eu tenho a ligeira desconfiança de que, não obstante todas as condicionantes,
das vezes em que o Veloso passou a bola a Ronaldo a equipa dele teve mais sucesso que quando resolveu entregar a bola a Hugo Almeida: marcador somático positivo associado a passar a bola ao Ronaldo.

E agora: Veloso decidiu bem ou mal?

quarta-feira, 18 de junho de 2014

A importância de um cérebro

Este Mundial vou com os olhos fechados
1. Teria sido importante um cérebro para várias personagens da maior desilusão deste Mundial, a Espanha.

2. Em primeiro lugar, seria importante para Del Bosque, para que não escolhesse os jogadores seleccionáveis e o 11 titular, em função de estatutos (como Casillas, ou a saída de Pique em detrimento de Ramos), ou em função de pressões externas (como Diego Costa), quase uma obrigação depois de se ter naturalizado e de ter feito uma grande época.

3. Em segundo lugar, seria novamente importante para Del Bosque, para que respeitasse uma geração que ganhou tantas coisas, a maior de sempre de selecções certamente, e que, no último Mundial de muitos, se vê vergada sem qualquer respeito, se vê descaracterizada, tudo porque se introduziu um novo avançado (que não é tudo o que se quer fazer dele, apesar de ter qualidade), que muitos dizem que serve para dar profundidade num jogo que seria "mastigado", mas que, em tudo o que tocou nesta competição estragou, sem qualquer qualidade a jogar entre - linhas (será coincidência que hoje tenhamos visto mais jogo directo do que nunca na selecção espanhola), com um primeiro toque de costas para lá de fraco, que foge totalmente do registo destes jogadores, que nem na profundidade se conseguiu movimentar. Não merecia Xavi.

4. Em terceiro lugar, para Casillas, que parece que tem o seu congelado desde algum tempo para cá. A defesa do segundo golo não lembra a ninguém.

5. O último cérebro seria para Ramos. Não chegou ficar ligado, e de que maneira, à goleada holandesa, hoje voltou a fazer das suas.




A jogada começa com dois erros de Xabi Alonso, primeiro na decisão que toma, poderia mais facilmente ter dado um passe mais perto em Busquets, que estava de frente, e depois no gesto técnico, que o faz falhar o passe. No entanto, é de notar a passividade de Javi Martìnez, dado que, com um/dois passos para o seu lado direito e teria aberto uma linha de passe ainda mais simples para Xabi Alonso. Depois começa o show de Ramos. Quando o jogador chileno toca pela primeira vez na bola bate Ramos, o que é normal, dado a velocidade com que tudo decorre. Nesse instante, Javi Martinez sai na contenção, e bem. Quem não esteve tão bem foi Ramos, que em vez de rapidamente se ajustar para ficar na cobertura a Javi, defendendo o espaço central, ficou em cima do jogador chileno, sem se saber bem a fazer o quê. Quando se apercebe da asneira foi tarde, já a bola estava a passar entre as pernas. Mas, o recital não acaba aqui, se parar o vídeo no segundo 43, vê Ramos a olhar para a bola, sem qualquer contacto visual com o avançado chileno e, consequentemente, muito longe para defender o que interessava, o espaço central que, curiosamente, é onde está a baliza. No meio disto tudo, convém destacar o mérito do Chile, com um dos bons golos deste Mundial.

6. Para terminar, é importante frisar que há muitos Ramos por esse mundo fora, que agradam a muita gente, porque saltam à vista, ou porque são muito fortes e agressivos, ou porque são muito rápidos ou porque tem um pouco das duas, no entanto, falta-lhes o mais importante, um cérebro.

A Beleza do Futebol

A própria palavra atrai imediatamente qualquer fã de futebol. Golo. Um dos principais objectivos do jogo. Uma explosão de emoções em dezenas, centenas, milhares ou milhões de pessoas, conforme a magnitude que estes atingem.

Neste Mundial têm sido uma constante e uma agradável surpresa. Na jornada inaugural da fase de grupos, tivemos 49 golos em 16 jogos. Ou melhor, em 15 jogos. O Irão x Nigéria foi a pobre excepção que confirma a regra: neste Mundial, os ataques estão claramente a superiorizar-se às defesas, e ninguém parece ter receio de procurar o golo. Das 32 selecções presentes na competição, apenas 6 falharam em consegui-lo nesta jornada.

Uma média superior a 3 golos por jogo. E golos para todos os gostos e feitios. Sejam cabeceamentos irrepreensíveis, jogadas individuais soberbas, jogadas colectivas de requinte ou remates estonteantes, este Mundial já conta com alguns golos que, por si só, valem bem o preço do bilhete.

E como tal, aqui ficam alguns desses golos. Para ver e rever.





terça-feira, 17 de junho de 2014

Notas sobre a Selecção

Ponto prévio: não éramos favoritos, contra uma Alemanha que terá sempre uma palavra a dizer nesta competição. Temos um conjunto de jogadores de qualidade mediana, com um ou outro que se destaca individualmente. No entanto, custa perceber como não conseguimos sequer ser competitivos nesta estreia no Mundial 2014. Ou será que não custa?

- De que serviram os jogos de preparação? Partiu-se com uma ideia de 4x4x2 que poderia trazer frutos com Ronaldo a jogar por dentro e com a equipa, naturalmente, menos exposta defensivamente pelo flanco de onde partem Coentrão e o madeirense; em seguida testou-se Coentrão como médio interior, trocaram-se os avançados e, acima de tudo, não se deram minutos nem rotinas a jogadores que hoje apareceram em campo. Fosse qual fosse a ideia de jogo, Rúben Amorim e Varela tornam o flanco direito português muito mais competente a atacar e a defender.

- O jogo começou com um ou dois lances interessantes por parte de Portugal, que tremeu com um erro de Rui Patrício. Ainda com o nulo no marcador, há um lance que pode definir muito daquilo que seria o jogo: recuperação de bola de Miguel Veloso (que, como habitualmente, acompanha o seu opositor directo para todo o lado, ainda que na maior parte das vezes isso cause dissabores à organização defensiva portuguesa) em terrenos adiantados e um claro 3x2 para resolver. A imagem mostra o momento em que Veloso se desfaz da bola.


- Umas quantas perguntas surgem na minha cabeça. Dividindo o campo em 3 faixas ao comprimento, qual delas será a que mais nos aproxima do golo? Como trabalha Paulo Bento a transição ofensiva? Será que devemos passar de uma situação de 3x2 para um 1x0, ou será que é seguir o grito de Ronaldo e passar-lhe a bola?

- Com o passar dos minutos tornou-se gritante a facilidade com que a Alemanha conseguia jogar dentro do nosso bloco, sempre com soluções entre-linhas e facilidade de processos. A nossa equipa mostrou dificuldades em organizar-se após perda, e mesmo em organização defensiva o bloco nunca foi compacto. Esta Alemanha parece querer tornar-se um misto das antigas e frias equipas germânicas, com um toque das potências que têm ganho a Bundesliga: a verticalidade de Klopp, a inteligência de Guardiola. Veremos como será daqui para a frente.

- A história do jogo termina com a 1ª parte. À expulsão de Pepe segue-se o golo de Muller, que confirma não só a superioridade alemã como também expõe outra das vulnerabilidades da selecção portuguesa. 



- Nani: com tanto tempo para definir um passe, até eu jogo com o Lahm, Kroos e companhia. Convém pressionares e encurtares na bola, e assim retirares tempo e espaço ao portador. A passo é mais complicado.

- Última nota: sem Coentrão será mais complicado, mas ainda é possível o apuramento. Com William Carvalho no lugar do Veloso, com Amorim e Varela pela direita, com menos pontapé para o ar do Bruno Alves, com Moutinho em jogo e, essencialmente, com mais cabeça fria e pés no chão. Às vezes uma derrota obriga-nos a outra atitude e a outras opções. Já passaram 10 anos, Scolari, lembras-te?

segunda-feira, 16 de junho de 2014

É golo!

GOLO!!!!

Tecnologia 1 - Céticos 0

Foi ontem no França-Honduras. Remate do Benzema, bola no poste, guarda redes atrapalhado, a bola passa a linha de golo ou não passa? Um segundo depois chegou a confirmação ao árbitro: Foi golo!

E eis a tecnologia a chegar, finalmente, ao serviço do Futebol. Foi um dia memorável. O facto de ter acontecido num jogo da França de Platini só acrescenta um toque de ironia à situação.

Sentiram a falta da polémica? Eu não! Sentiram alguma quebra no ritmo de jogo? Eu não!

Claro que ainda haverá gente reticente. Gente que dirá que é injusto que a França em jogo de mundial possa beneficiar desta tecnologia enquanto que uma equipa da 2ª Divisão Distrital de Aveiro não tem essa possibilidade. Gente que achará injusto que o Karim Benzema disponha desta faculdade enquanto que o Cajó, ponta de lança dos juvenis do Alferrarede, não possa dela usufruir. Mas esses serão ultrapassados pelo ridículo das suas próprias argumentações.

Foi golo. Não há espaço para polémicas e teorias de conspiração trazendo à baila a capacidade do Platini em influenciar decisões de arbitragem. Para infelicidade de muitos a discussão terá de centrar-se na capacidade finalizadora do Benzema, no seu poder de remate e sentido de baliza; na infelicidade do Valladares. E fica aí muito bem. Deixando o árbitro descansado, consciente que tomou uma decisão correta.

Foi golo. Ponto final. E viva o futebol com verdade!!!

sábado, 14 de junho de 2014

Inspiração

Numa altura em que a selecção portuguesa se prepara para mais uma participação na maior competição mundial de selecções e em que se avivam a toda a hora as memórias dos feitos e façanhas alcançados pelo nosso futebol ao longo dos anos, nada como recordar, não sem uma ponta de nostalgia, a notável carreira de um dos melhores e mais talentosos jogadores que o futebol português já produziu. Para mim e para meia dúzia de românticos incorrigíveis, será sempre o melhor. O jogador que inspirou. O jogador que apaixonou. O jogador que nos fez ficar pregados ao grande ecrã. E não, não estou a falar de Ronaldo.

Despontou para o futebol perto de Lisboa, em Almada, brilhou ao mais alto nível lá fora, do requinte de Barcelona ao glamour de Milão, não esquecendo a opulência de Madrid, evoluiu de miúdo enfezado com o cabelo escorrido e sem graça para homem mundano, elegante e com um corte de cabelo contemporâneo, mas o seu futebol apaixonante, de fato e gravata, esse permaneceu imutável. Jogou toda a vida como extremo, mas nunca precisou de velocidade, nem de força, muito menos de malabarismos exóticos, para se destacar dos demais. Velocidade? Sim, de pensamento! Força? Sim, de vontade! Malabarismos exóticos? Mas para quê complicar o que é fácil?! Basta arrancar, travar, temporizar, voltar a arrancar de novo, ir para fora, vir para dentro e, tau, o adversário já ficou para trás! Sempre com a bola coladinha ao pé, claro. Quando era preciso mudar o rumo dos acontecimentos, lá estava ele, pronto para agarrar o jogo pelos colarinhos e resolver aquilo que o colectivo era incapaz de resolver…Mas não resolvia de uma maneira qualquer. Ao contrário de outros, nas suas acções não havia nunca pressa, sofreguidão ou ânsia de provar alguma coisa. Não, era tudo espontâneo, com a naturalidade de alguém que nasceu para liderar e para assumir as responsabilidades de uma nação inteira.

Com a camisola das quinas ao peito, há muitos e bons momentos que vale a pena recordar…Talvez o mais inesquecível de todos seja aquele míssil teleguiado que saiu dos seus pés ainda antes da meia-lua e só parou dentro da baliza de David Seaman, quando Portugal perdia por uns irremediáveis 2-0 frente a Inglaterra, na fase de grupos do Euro 2000. Foi esse o mote para a sensacional reviravolta que surpreendeu o mundo, foi esse o golo genial e inesperado que galvanizou os jogadores e os adeptos. Ainda no Euro 2000, quem não se lembra da grande exibição contra a Turquia, nos quartos-de-final? Duas assistências perfeitas para os dois golos de Nuno Gomes, o primeiro num cruzamento com régua e esquadro, o segundo numa arrancada fulminante pela direita, que virou o lateral esquerdo turco de pernas para o ar e terminou com um passe açucarado para Nuno Gomes encostar. «Ai é preciso resolver? Então passem-me a bola, que eu faço o resto…» A forma como concluiu a sua carreira a nível internacional tem também o seu quê de simbólico…Suplente utilizado no jogo de atribuição do 3º lugar contra a Alemanha, quando entrou em campo, a selecção nacional perdia por 3-0 e já pouco havia a fazer. Sem pedir licença a ninguém, pegou na bola, olhou para a área e meteu-a direitinha na cabeça do companheiro de muitas batalhas, Nuno Gomes, que fez o 3-1. Dever cumprido, como sempre! Mas, curiosamente, o lance que, para mim, melhor ilustra o que foi este jogador dentro das quatro linhas tem lugar num distante Portugal-Dinamarca, num jogo amigável há muito esquecido…Jogo morno, sem interesse, empatado a um golo, e eis que a bola chega aos pés do maior craque de todos. Arranca, passa pelo meio de dois defesas sem esforço, senta Schmeichel com uma finta de corpo e pica a bola por cima do gigante dinamarquês. Parece fácil! Mas não é. É só para quem sabe. Em três palavras: talento, classe e liderança.

De quem estou a falar? Já todos devem ter adivinhado, mas a poucas horas do pontapé de saída da selecção portuguesa no Mundial de Vera Cruz, precisa-se que Ronaldo, a nossa maior referência futebolística e de quem se esperam momentos de grande inspiração, tenha um pouco do incontornável…Luís Figo!





sexta-feira, 13 de junho de 2014

Prazeres

"Não há nada mais perigoso que não arriscar" – Pep Guardiola


Sentimento agradável que alguma coisa faz nascer em nós, é este o significado da palavra prazer no dicionário de língua portuguesa. Para além desta definição é possível encontrar outros termos como, gosto, divertimento ou alegria. Confesso que uma das coisas que me dá mais prazer é acompanhar jogos de formação durante o fim-de-semana, desde sub-9 até aos sub-19, em grande parte da zona norte, muita das vezes sem conhecer qualquer jogador, sempre à procura de encontrar qualquer coisa de diferente, de original. No entanto, e em grande parte das vezes, não se encontra nada disso, nada de diferente, nada de original, porque, e para mim, falta o essencial em quem joga, o prazer, o gosto, o divertimento.

É impossível que miúdos de 12 anos, por exemplo, que passam o jogo a correr atrás de adversários, ou a chutar para a frente sem qualquer nexo retirem prazer do que estão a fazer. É impossível que esses mesmos miúdos não queiram fazer uma cueca, um cabrito, um calcanhar, arriscar no 1x1, algo de original ou diferente, mas fazem-no? Claro que não. É triste que assim seja, porque em muitos casos estamos a falar de miúdos que fazem imensos sacrifícios para jogarem. Muitas vezes acordam de madrugada, noutras jogam em condições meteorológicas que não lembram a ninguém, por vezes com material que não presta, tudo isto pelo prazer de dizerem que fazem parte de uma equipa, de um grupo, de um clube, mesmo não tendo prazer nenhum no que jogam, aliás, arriscaria a dizer que sentem bem mais prazer, gosto e divertimento quando jogam na escola, na rua, em casa, sem pressões.

É fácil encontrar culpados. Começa em quem dirige, que muita das vezes, e mesmo em escalões mais jovens, quer ganhar em qualquer cenário e de qualquer forma e colocam demasiada pressão em quem treina para que apenas ganhe, e acaba em quem (des)treina, que mesmo quando essa pressão não existe ou é menor, gostam é de ganhar, e acham que só ganham se estiver tudo na ordem, tudo dentro do seu controlo, se ninguém arriscar nada de diferente porque isso já foge do controlo. É engraçado porque depois são estes treinadores, ou muitos destes, que dizem que querem jogadores criativos quando nem sequer os deixam ser criativos, nem sequer os deixam ser originais.

Se quando era uma criança o treinador do Messi tivesse dito que ele não podia fintar, será que hoje tínhamos o mesmo jogador? Ou se o treinador do Quaresma tivesse dito para ele não fazer aquilo com a parte de fora do pé, será que tínhamos trivelas? Ou ainda, será por acaso que atravessamos uma das maiores crises a nível da formação no que a verdadeiros talentos diz respeito, que só agora parece estar a ser colmatada.

"Só é necessária a ordem que favorece a criatividade. Não a que limita, e cria um efeito inibidor nos jogadores." - Menotti


Análise ao Brasil x Croácia

Começou o Mundial. A maior competição do mundo de selecções, que desta vez se realiza num país que sente, vive e respira futebol. Mas tal não se reflectiu hoje (ontem) dentro das quatro linhas, pois o resultado final não faz transparecer a exibição apagada e pouco colorida da "Canarinha", tradicionalmente uma selecção viva, com magia e com uma imagem sempre alegre do desporto-rei. Foi um jogo bastante equilibrado, com pouca coragem para arriscar de parte a parte, postura normal num jogo de abertura do Mundial, em que ninguém quer entrar com o pé errado em prova e colocar desde logo em perigo a passagem à fase seguinte.

A Croácia entrou forte no jogo, com Olic e Perisic nas alas a aproveitarem bem os espaços que Dani Alves e Marcelo deixavam nas suas costas, e com um meio-campo muito activo, dinâmico e agressivo sobre a bola, composto por Kovacic, Modric e Rakitic (estes 2 últimos funcionam claramente como os motores desta selecção). Chegaram ao 1-0 numa das investidas de Olic, (jogador muito experiente, mas igualmente com muita qualidade) que aparece no espaço deixado vazio por Dani Alves e progride pela esquerda, cruzando em seguida para a área, onde, depois de um desvio de Jelavic, Marcelo empurra a bola para a sua própria baliza.

Um balde de água fria na euforia que se vivia até aí na Arena Corinthians, mas um golo que serviu para acordar o Brasil. Os canarinhos equilibraram defensivamente, passaram a gerir melhor a posse de bola e a passagem de Oscar para o lado direito, com Hulk na esquerda e soltando Neymar para jogar no meio, atrás de Fred, permitiu-lhes passar a criar alguns desequilíbrios na organização defensiva croata, sobretudo procurando os passes verticais ao longo da linha lateral, na tentativa de explorar o espaço nas costas de Srna e Vrsaljko, os laterais croatas. Assim, o golo acaba por surgir com alguma naturalidade, num remate na zona central e à entrada da área de Neymar, que entra no canto inferior direito da baliza de Pletikosa. Até ao intervalo, o predomínio da selecção brasileira continuou, mas sempre sem causar grande perigo para a Croácia.

Na segunda parte, o equilíbrio e a coesão defensiva das equipas mantiveram-se como a nota dominante dos primeiros minutos. Com o passar do tempo, o Brasil demonstrou-se incapaz de criar desequilíbrios na boa organização defensiva croata, sobretudo devido à qualidade presente na zona central (tanto Modric como Rakitic são hoje médios soberbos na compreensão do jogo e são acima da média no que toca a compreender a zona que devem defender e as acções que devem tomar em cada jogada). O facto de Neymar ter começado a fugir mais para o corredor direito e de Hulk também ter estado quase sempre por lá, mas ao lado do jogo (foi o elemento mais fraco do lado brasileiro), também foram aspectos que não ajudaram o Brasil a conseguir desequilibrar, pois com tanta presença de jogadores num curto espaço de terreno (além de Neymar e Hulk, Oscar também jogava pelo corredor e Dani Alves estava constantemente no meio-campo adversário, bem aberto e colado à linha), o flanco direito ficou congestionado e com pouco espaço para se jogar. Até que, por volta dos 70 minutos de jogo, Oscar cruza sobre a direita; Fred, de costas para a baliza e marcado por Lovren, recebe e orienta a bola com o primeiro toque, e de seguida cai na área. Penalty assinalado, num lance duvidoso e que motivou muitos protestos por parte dos jogadores croatas. Na cobrança, Neymar bisa e faz o 2-1.

A Croácia teve de subir as linhas, arriscar mais (Niko Kovac, o seleccionador croata, trocou Kovacic por Brozovic, e deu uma maior liberdade ofensiva a Modric), e isso criou mais espaço para o Brasil explorar no meio-campo croata. Scolari trocou Hulk por Bernard, colocando-o no lado esquerdo, e deu à equipa a largura, o espaçamento que ela necessitava. Manteve Neymar no meio, e o craque teve neste período 2 lances de registo, em que finalmente encontrou espaço na zona central para conduzir a bola em velocidade e progressão, como tanto gosta. O Brasil foi controlando o ritmo do jogo, conseguiu ter qualidade na circulação de bola (Hernanes, que entrou para o lugar de Paulinho, veio dar uma grande ajuda nesse capítulo) e acabou por chegar ao terceiro golo já em período de descontos. Ramires (o terceiro elemento saído do banco de suplentes, por troca com Neymar) desarma Rakitic ainda no meio-campo croata, a bola sobra para Oscar e este progride com ela, finalizando de pé direito com a biqueira da bota.

Machadada final no jogo, e a confirmação de uma entrada vitoriosa do Brasil no Mundial. Uma vitória que é justa, mas por números algo deslocados daquilo que foi a realidade do jogo. Um 2-1 seria um resultado mais ajustado. Do lado brasileiro, destaque para Oscar, que entrou mal no jogo mas que conseguiu, progressivamente, subir o seu nível; e para Luís Gustavo, que teve um papel fundamental no processo defensivo brasileiro, equilibrando bem as subidas simultâneas de Dani Alves e Marcelo pelos corredores e estancando todas as iniciativas croatas que surgiram pela zona central. Neymar faz 2 golos, mas acaba por realizar também uma exibição algo apagada e inconsistente, tendo por vezes até desaparecido um pouco do jogo.

Do lado croata, de realçar a enorme qualidade da dupla do meio-campo, Modric e Rakitic. Dois jogadores de eleição, extremamente importantes em todos os momentos de jogo da equipa. Por outro lado, o problema desta selecção pareceu passar exactamente por estes 2 jogadores. Não no sentido negativo, obviamente, mas a verdade é que parece um desperdício ter Modric e Rakitic a actuarem tão recuados no terreno. A Croácia ganharia bem mais em utilizar um médio defensivo mais posicional, como Vukojevic ou Brozovic (este último possui enorme potencial, e pode actuar em qualquer posição do meio-campo), soltando dessa forma Modric e Rakitic para tarefas mais ofensivas, de ligação entre sectores e de transporte de bola, aspectos onde ambos são excepcionais actualmente. Ganhariam outra qualidade no aspecto ofensivo, e manteriam a coesão defensiva e a boa organização que apresentaram neste jogo.

Foi o primeiro jogo de um Mundial que se espera que seja um verdadeiro hino ao futebol e uma competição onde o desporto-rei saia valorizado. Afinal de contas, estamos na maior competição do mundo de selecções, e numa das competições mais mediáticas do desporto mundial. O mundo do futebol pára durante um mês inteiro para assistir a esta festa. Cabe agora aos artistas, aos melhores dos melhores, providenciarem o retorno, e estarem à altura. Já rola a bola.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

A Liga dos Pobres Cavalheiros

Numa altura em que o país desportivo (e o outro) se dedica aos preparativos para a campanha que se espera gloriosa dos nossos rapazes em terras de Vera Cruz, capitaneados pelo herói nacional CR7, qual reencarnação de Pedro Álvares Cabral, que há mais de 500 anos ofereceu novas terras ao mundo, andam os nossos dirigentes associativos entretidos com mais um episódio digno de figurar em plano de destaque no anedotário futebolístico nacional: as eleições para a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP).

É o culminar de um processo que se arrasta desde a entrada em vigor da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto (janeiro de 2007) e posterior publicação do Regime Jurídico das Federações Desportivas (dezembro de 2008). Estes diplomas legais estruturantes conduziram, na prática, ao esvaziamento de funções, competências e atribuições das Ligas, transferindo-as para as Federações. Em suma, tratou-se da alteração das áreas de poder, o que, no caso do Futebol foi particularmente evidente. Os agentes futeboleiros nacionais reagiram como se esperava. Como o que interessa, no fundo, é influenciar as comissões de arbitragem, disciplina e justiça, e como estas passaram para a esfera da Federação, valorizou-se mais a composição dos órgãos federativos do que a própria Liga.

Foi esta desvalorização para a composição da estrutura diretiva da LPFP que permitiu a eleição, em janeiro de 2012, do atual presidente Mário Figueiredo que, apesar de apresentar algumas propostas meritórias, recolheu a maioria dos votos devido à promessa de não haver descidas na 1ª Liga que entretanto decorria, com subsequente alargamento dos quadros competitivos. O não cumprimento dessa promessa, por oposição clara da FPF, destruiu imediatamente toda a sua precária base de apoio, tornando-o num mau presidente por não corresponder aos anseios de quem o elegeu. E assim se passaram 3 anos em que as broncas e polémicas não foram maiores (e, mesmo assim, ainda surgiram bastantes) porque, de facto, a Liga já não manda nada.

Com a aproximação de novo ato eleitoral, depois de ter sido evidente que o presidente da Mesa da Assembleia Geral da LPFP não estaria disponível para marcar eleições antecipadas, começaram a contar-se espingardas e os egos e ânsias de protagonismo tão presentes no mundo do futebol vieram à tona. O reduzido interesse dos principais clubes nacionais nestas eleições deu azo a que se polarizassem as intenções de candidatura e, a certa altura, dava a entender que iriam haver dezenas de listas concorrentes tal eram as vontades expressas por figuras mais ou menos mediáticas. A redução a 4 listas foi um processo moroso e trabalhoso de bastidores, de alianças, compromissos, estratégias e influências.

Mas surge como pertinente a seguinte questão: se a Liga já não manda nada, o que faz mover toda esta gente? Há quem aponte a questão dos direitos de transmissão televisiva como motor de toda esta agitação. Uma falsa questão, no meu entender. Por duas razões: primeiro porque a maioria dos clubes está presa a contratos celebrados com a Olivedesportos por largos anos, amarrados a adiantamentos que a empresa do prestimoso Joaquim Oliveira concedeu para aliviar os cofres paupérrimos dos clubes; e em segundo lugar porque o clube determinante no que respeita a audiências televisivas de jogos de futebol cá do burgo já seguiu o seu próprio caminho, desvinculando-se da Olivedesportos sem necessitar da LPFP para nada.

Só vislumbro, assim, uma resposta: necessidade absoluta de protagonismo e de alimentação exacerbada de egos mais ou menos medíocres. E é no meio desta mediocridade que estamos. Uma mediocridade que resulta na existência de duas listas diferentes que apresentam o mesmo líder e na insuficiente composição de listas. Uma mediocridade para a qual o rigor e a competência são conceitos vagos e menores. Uma mediocridade para a qual são arrastados consciente ou inconscientemente personalidades até aqui dignas de crédito e que, de alguma forma, acabam manchadas como Rui Rangel ou Fernando Seara.

E se alguém pensa que uma eventual reeleição do atual presidente encerra o processo por agora, é bom que tire o cavalinho da chuva. Cá para mim ainda a procissão vai no adro...

terça-feira, 10 de junho de 2014

O WM de Chapman


Numa era em que a maioria das equipas de topo do futebol mundial usava o 1:2:3:5, tendo este sido apelidado de 'sistema clássico' por ter perdurado nos relvados a nível internacional durante cerca de 50 anos, surgem nos anos 30 três treinadores que mudam a história das ideias do jogo: Hugo Meisl, Vittorio Pozzo e Herbert Chapman.

Pode parecer coincidência o facto de três nomes históricos desta dimensão terem surgido num período tão semelhante, mas desenganem-se: existiu algo que despoletou esta nova necessidade de repensar e recriar o futebol, tentando alterar o marasmo de 50 anos de inércia no pensamento táctico: a lei do fora-de-jogo. Em 1925 a Football Association altera a regra para a que conhecemos actualmente, acabando com a anterior que mencionava a necessidade de existirem dois jogadores entre o receptor da bola e o guarda-redes. Por motivos lógicos isto aumentou substancialmente a quantidade de golos por jogo, e desperta a tendência que caracteriza a evolução dos sistemas tácticos ao longo dos anos: o aumento do número de defesas e a redução do número de avançados.

Meisl, maestro-mor do wunderteam austríaco dos anos 30, e Pozzo, bi-campeão mundial nos anos 30 com as ideias precursoras do catenaccio ao leme da selecção italiana, ficarão para outro dia. Falaremos hoje de um dos treinadores mais míticos da história do futebol britânico: Herbert Chapman. Chapman recua um dos médios do sistema clássico para o centro da defesa e baixa dois dos avançados, formando assim o seu conhecido sistema de WM. Não é difícil perceber que esta nomenclatura representa as linhas do sistema:


O WM do Chapman é o percursor de todos os sistemas que hoje conhecemos e rasga o marasmo de 50 anos de inércia criativa a nível táctico. Surge pela primeira vez um equilíbrio numérico minimamente homogéneo entre os sectores, existindo cinco jogadores com missões predominantemente ofensivas e outros cinco com missões defensivas. A marcação individual é pela primeira vez vista como uma preocupação colectiva: os dois defesas tradicionais do sistema clássico deslocam-se para fora para marcar os extremos, o defesa mais central marca o avançado mais adiantado, e sobram dois médios recuados que procuram marcar individualmente os dois avançados menos adiantados do sistema clássico.
O sistema de Chapman concretiza uma organização que repartia as tarefas tácticas dos jogadores com relativa precisão, exprimindo a superioridade do jogo colectivo relativamente ao jogo individual, constituindo assim uma etapa chave na evolução do carácter racional e reflectido do jogo de futebol. É marca deste sistema relativamente aos anteriores a maior repartição do esforço físico, consequência da racionalização mais equilibrada das missões tácticas dos jogadores. 

Após vencer quatro campeonatos e revolucionar a história das ideias do jogo, Chapman sucumbe ao que parece ter sido uma pneumonia fulminante em 1934 ainda no cargo de treinador do Arsenal, três dias depois de ter assistido a um jogo da equipa de reservas. Em Dezembro de 2011, passados 125 anos do seu nascimento, o Arsenal inaugura a sua estátua nos Emirates, que guarda, vigilante, ao lado das estátuas de Thierry Henry e de Tony Adams.