terça-feira, 29 de julho de 2014

Defender... por defender

Com a pré-época já a decorrer em 95% das equipas profissionais, esta parece ser a altura ideal para começar a abordar o que se passa dentro das 4 linhas... mas longe das luzes dos jogos oficiais.

Aqui acreditamos no treino como base de sustentabilidade para tudo o que uma equipa mostra (e não mostra) no jogo, assim como tomar o jogo como bússola orientadora para o treino semanal. Uma relação simbiótica e inquebrável, que dentro das circunstâncias corretas pode permitir a uma equipa qualitativamente mediana alcançar resultados acima do esperado. Grande parte desse salto baseia-se em duas premissas fundamentais: na qualidade das ideias do Modelo de Jogo e na operacionalização das mesmas por parte do treinador. Quanto mais eficazes forem estes dois fatores, mais hipóteses existem para que os bons resultados apareçam. 

Foquemo-nos então nessas duas vertentes. Aquando do planeamento de qualquer exercício, duas questões surgem que necessariamente devem ser endereçadas:

- Qual é o comportamento que quero que os meus jogadores adquiram através da execução do exercício?

- Como vou condicionar o exercício de forma a que esse comportamento surja, de forma natural, múltiplas vezes?

Analisando a forma atual da equipa, há que perceber qual o momento do jogo ou situação específica que urge ser alvo de foco. Tal deve ser feito com a noção que a vertente tática tem necessariamente que surgir como regente superior. Contextualizando isso com os princípios do Modelo de Jogo da equipa, temos a resposta à primeira pergunta.

A segunda questão exige mais trabalho e maior conhecimento. Com o material existente à disposição (que muitas vezes é insuficiente), há que saber usar todas as variáveis existentes para nos aproximarmos o máximo possível do comportamento pretendido. Dimensões do campo, múltiplas balizas, número de jogadores, objetivos do exercício, tudo pode e deve ser moldado. Mas, acima de tudo, nunca esquecer que o jogo é um processo contínuo, com linhas orientadoras globais inerentes a qualquer equipa em qualquer parte do Mundo e que o feedback durante o treino deve corresponder aquilo que o exercício pede e não o contrário.

Um (mau) exemplo disso é o seguinte:

- Forma: 5x5.

- Dimensões: 15m x 15m.

- Objetivo: Manutenção da posse de bola. Após 10 passes a equipa em posse ganha 1 ponto. Para quem defende, o objetivo é recuperar a bola para trocarem funções. Jogo contínuo.

- Condicionantes: Obrigatoriedade de jogar a 2 toques.

Não vou sequer entrar na discussão da utilização da regra dos 2 toques porque apenas me quero focar na ausência de uma referência espacial orientadora. Este problema afeta principalmente quem defende. O objetivo, para quem ataca, é apenas manter a bola. Tudo bem, posso concordar com isso porque em vários momentos do jogo a posse não tem necessariamente de ser orientada para a baliza. Podemos estar a falar duma saída de zona de pressão, por exemplo. Mas e a defender? Sem qualquer referência que oriente o posicionamento de quem defende, o que o exercício acaba por promover é a marcação H-H e a completa falta de racionalidade espacial. Porque senão vejamos: eu estou a defender e tenho um colega na bola. Se o meu objetivo é recuperar a bola e não tenho baliza para defender a opção mais eficaz é marcar um adversário para que no momento em que ele solicitar a bola eu a intercepte. O jogador não é burro e sem condicionantes que o dirijam para o objetivo correto vai sempre optar pela solução mais eficaz, que neste caso é marcar ao homem. E se o treinador exigir o contrário, que hajam coberturas a quem sai à bola, queima-se porque não tem qualquer lógica defender com contenções\coberturas se não houver um eixo que guie o posicionamento. Perde a razão e perde a confiança do jogador.

E agora? Estou a passar a mensagem que a melhor maneira de defender é H-H e não à Zona. Se esse for o objetivo do treinador então o exercício é bom, as ideias não. Se esse não for o objetivo então a operacionalização está errada. E estamos a falar de um exercício imensamente usado por este país fora, inclusive por treinadores de 1ª Liga.

Treinar a circulação de bola? Sim, quanto mais melhor. Mas com exercícios que respeitem a inteireza do jogo e que não castrem dum lado para beneficiar do outro.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

O entendimento inevitável

Já por aqui falei sobre o alheamento e desvalorização a que os principais clubes de futebol portugueses votaram os assuntos relacionados com a Liga por ocasião das recentes eleições para os seus órgãos dirigentes. É um alheamento que decorre do esvaziamento de competências da própria Liga e que já tem alguns anos. Sem a arbitragem, a disciplina e a justiça é convicção dos principais clubes que as matérias que ainda competem à Liga não justificam o seu envolvimento direto. A Liga ficou, assim, à mercê dos clubes pequenos, de vistas curtas, subordinados a lógicas de protagonismos e egos pessoais. Ficou, em suma, um caos. E os clubes com maiores responsabilidades assistindo, impávidos, numa atitude de quem acredita que os problemas existentes estariam condenados a resolver-se sem terem necessidade de utilizar os seus esforços, capacidades e influências.


Não podiam estar mais errados! Há uma matéria fundamental e determinante que ainda reside no âmbito de competências da Liga: a organização das competições. Sem competições não há negócio! E sem orçamento para as organizar não há competições! E hoje a Liga não tem dinheiro. Não tem patrocinadores, não tem abertura legislativa para regular as apostas online, nem tem meios disponíveis para forçar alterações no que respeita aos direitos televisivos. Com o início das competições profissionais agendado para o próximo fim de semana (1ª jornada da fase de grupos da Taça da Liga) ainda ninguém sabe se haverá condições para que elas decorram com normalidade. Não há dinheiro para pagar a árbitros, a funcionários, a delegados e observadores e para a restante panóplia de pequenas despesas imprescindíveis que asseguram a realização dos jogos.

O Governo, via Secretário de Estado do Desporto e da Juventude, manifestou a sua preocupação; a Federação manifestou igualmente preocupação e convocou clubes e Liga para uma reunião com vista ao estabelecimento de uma plataforma de entendimento que promovesse a procura de soluções para o imbróglio gerado no seio da Liga. Essa reunião serviu, na prática, para "puxar as orelhas" aos responsáveis pelos clubes e para os intimar a que se organizem, que se entendam e que resolvam os problemas que criaram.


Os clubes acusaram o "toque" e nasceu uma comissão de trabalho liderada pelos 3 grandes. É assim que funciona o futebol português. Parecem um bando de catraios birrentos que necessitam de uns açoites para se comportarem devidamente e fazerem o que lhes compete.

Paralelamente vai ser interessante acompanhar o posicionamento das principais figuras neste processo. Bruno de Carvalho, que lutou por entendimentos e consensos sem qualquer sucesso e que, birrento, acabou por votar favoravelmente na lista de Mário Figueiredo, como se posicionará agora? Pinto da Costa, que aparece ao lado dos contestatários em manifestações em bombas de gasolina mas que prima pela ausência nos momentos em que se tomam, de facto, decisões, que papel terá? E Luís Filipe Vieira que não perde nenhuma oportunidade de marcar pontos em termos de liderança e sentido de responsabilidade (toda a comunicação social fez questão de realçar que foram dele as ideias de criação desta comissão e da participação ativa dos 3 grandes no processo), que fará quando vierem à tona assuntos em que tenha posições discordantes dos restantes?

A não perder os próximos episódios desta triste novela...

Declarações de Hermínio Loureiro, à saída da reunião entre a FPF e os clubes:


terça-feira, 22 de julho de 2014

Sporting 14/15: Primeiras impressões

A bola já rola na pré-temporada e os clubes já começam a afinar as "máquinas" e a deixar as primeiras indicações daquilo que será o seu futebol durante a época. O Sporting não é excepção, e já foi possível observar a formação leonina em acção na Taça de Honra da A.F.Lisboa, competição que venceram e onde derrotaram na meia-final o Belenenses por 2-1, e na final o Benfica por 1-0. Estes jogos permitiram também começar a perceber algumas das ideias que Marco Silva pretende implementar no modelo de jogo. Passemos à análise.

Em ambos os jogos, o Sporting dispôs-se no 4-3-3 que já apresentava com Leonardo Jardim, sendo que em alguns momentos do jogo o esquema se transformou em 4-4-2 (nomeadamente no momento defensivo, com André Martins a aproximar-se de Montero e com os extremos a fecharem o seu corredor) e até num 4-2-3-1 (quando em organização ofensiva, com Adrien mais próximo de Rosell, nestes dois jogos, e André Martins mais solto na frente, a aparecer entre linhas e a apoiar de forma mais directa Montero na zona central). No entanto, já foi possível notar algumas diferenças entre o Sporting de Jardim e este "novo" Sporting de Marco Silva. Desde logo, o próprio posicionamento de André Martins. Com Jardim, o médio pareceu sempre demasiado preso a uma dinâmica que o retirava do espaço entre linhas e o obrigava a passar cerca de 80/90% do tempo sem bola e junto ao flanco direito, procurando apenas arrastar marcações e dar profundidade à equipa (procurando o espaço nas costas do lateral adversário, para receber o passe vertical do lateral direito (Cédric), o que acontecia várias vezes por jogo) para de seguida cruzar. Parecia até que, para Jardim, André Martins só possuía verdadeira importância no aspecto defensivo, pelo dinamismo que impõe no jogo e pela capacidade que tem de ler o jogo e perceber qual o momento certo para sair na pressão ao portador da bola. Permitia ao Sporting pressionar alto sem se desequilibrar, aspecto essencial para Jardim, que preza acima de tudo os equilíbrios defensivos nas suas equipas.

Ora, com Marco Silva, estas instruções no aspecto defensivo permanecem. Mas ofensivamente, André Martins já parece outro jogador. Muito mais solto, recua sempre que possível da posição 10 para procurar receber a bola fora do bloco adversário e assumir a construção, aparece mais frequentemente em zonas de finalização (e embora não seja propriamente forte nesse aspecto, até já conseguiu fazer um golo que valeu um troféu ao Sporting) e voltou a estar mais próximo de Montero, combinando mais vezes directamente com o colombiano na zona central. Isto inclusive ajuda a que Fredy se possa soltar mais dos centrais, saia da zona central e procure tocar mais a bola e tê-la mais vezes em sua posse, aspecto que só beneficia o Sporting, visto que o colombiano é extremamente criativo com bola, é muito forte tecnicamente (talvez o melhor avançado do campeonato nesse aspecto) e tem um entendimento do jogo muito acima da média, sabendo sempre quando soltar a bola e tomando quase sempre a melhor decisão para dar continuidade ao ataque leonino.

Outro dos aspectos em que já estão bem presentes os princípios de jogo de Marco Silva são os apoios. Contra o Benfica, em alguns períodos do jogo, foi impressionante ver o Sporting a jogar de forma apoiada em todo o campo (até nos pontapés de baliza já se notam diferenças, com a preocupação de sair sempre com a bola controlada, com os centrais bem abertos, os laterais a dar profundidade e o 6 a vir receber a bola quando as restantes opções estão bem defendidas pelo adversário), com muito critério de passe e com muita fluidez na circulação de bola (foram várias as jogadas em que diversos jogadores jogaram a 1/2 toques, acelerando o jogo). Desde logo, a principal ideia que captei de ambos os jogos, foi a de que o Sporting pretende ter sempre a bola e pretende saber sempre como estar e o que fazer com ela em todos os momentos do jogo. Quer a atacar, quer a defender. A equipa está mais próxima ofensivamente, e é agora mais fácil jogar a bola de pé para pé do que era no modelo de jogo de Jardim, que privilegiava a profundidade e a verticalidade. Além disso, este Sporting já possui outras noções de jogo, e já parece perceber qual o caminho para, mantendo o seu futebol apoiado, desequilibrar a organização defensiva adversária. Em ambos os jogos desta pré-época, foi possível observarmos a equipa a atrair o adversário para um dos corredores laterais (na maioria das vezes o direito) com sucessivas tabelas simples e triangulações, apenas para depois soltar a bola no pivot defensivo (Rosell) que, com a grande qualidade de passe que possui, variava rapidamente o centro de jogo, encontrando facilmente espaço e desequilíbrios (possibilidade de 1x1 para Capel na ala esquerda e por vezes até 2x1, com a subida de Jefferson) na organização defensiva adversária. Isto demonstra uma evolução enquanto equipa naquilo que considero ser um dos aspectos mais importantes para se construir uma equipa de qualidade: a leitura e o entendimento do jogo. Este Sporting parece claramente estar noutro patamar relativamente ao Sporting de Jardim nesses aspectos. E mesmo defensivamente, já surgiram vislumbres de uma evolução. A coesão defensiva sempre foi o forte do Sporting na época transacta. As linhas estavam sempre bem organizadas e equilibradas, as basculações defensivas eram feitas com qualidade e não era fácil penetrar na defensiva leonina quer pela zona central, quer pelos corredores laterais.

Mas nestes dois jogos da Taça de Honra, já foram perceptíveis algumas ideias que poderão levar o Sporting para outro nível também no aspecto defensivo, sobretudo em transição defensiva. Este Sporting pressiona alto também, mas de forma diferente. Não se baseia apenas na capacidade defensiva de André Martins numa primeira fase. Sobe antes as linhas, em bloco, e pressiona de forma organizada, defendendo mais o espaço e não atacando tanto a bola. No jogo contra o Benfica, por várias vezes se viram os laterais do Benfica a serem obrigados a bater longo na frente, pois o Sporting demonstrou-se sempre muito competente na forma como fechou as linhas de passe mais próximas do portador da bola e lhe foi progressivamente encurtando o espaço e forçando o erro. Entrando na comparação, podemos dizer que o Sporting de Jardim atacava forte o portador da bola, mas ocasionalmente dava liberdade àqueles próximos dele. Já este Sporting parece "sufocar" o portador da bola e tudo em seu redor, quase parecendo que, de repente, o campo encolhe e passa a ter apenas meia dúzia de metros. Apontamentos muito interessantes.

Em suma, as primeiras impressões sobre este Sporting são claramente positivas. A equipa mantém a consistência e a coesão que trazia da época passada, e numa fase ainda embrionária da época, demonstra já evolução em vários aspectos do jogo, e dá indicações de ainda poder evoluir muito mais e de poder rapidamente chegar a um patamar superior em termos qualitativos. Logicamente, são apenas as primeiras impressões, e ainda existe imenso trabalho por fazer. Mas de uma coisa não tenho dúvidas: o Sporting está claramente no caminho certo.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

João Teixeira

Há certos jogadores que não enganam. Este é um deles. Um par de jogos como titular na equipa principal foram suficientes para se perceber a enorme pérola que a formação benfiquista possui. O que mais surpreendeu foi a maturidade com que encarou as várias situações que foi encontrando ao longo do jogo. Não há linha de passe segura? Conduz até um adversário sair à bola para depois soltar. Há escolha entre lateralizar ou verticalizar pela zona central? Sempre espaço central e fá-lo com eficácia. É necessário equilibrar a última linha pela saída de um central ou lateral? Lá vai o miúdo. É preciso deixar a zona de ação e fazer cobertura ao homem que saiu na pressão? Invariavelmente, ele diz presente.

As qualidades são muitas e o potencial parece indicar que, a longo-prazo, João Teixeira procurará desafios que a Liga Portuguesa não lhe conseguirá oferecer. Mas há que dar tempo para que a evolução seja sustentada (sem a pressão habitual dos adeptos que esperam sempre o aparecimento do próximo Rui Costa) e dentro dum contexto que o obrigue a crescer.

Com Fejsa de fora até 2015 e Rúben Amorim como única melhor opção a curto-prazo para o lugar, será uma afronta se o jovem jogador não ficar no plantel. Mesmo que não faça tantos minutos como faria se saísse por empréstimo, as vantagens de crescer sob a orientação de um dos melhores treinadores da Europa são muitas e poder treinar diariamente com grandes jogadores, inserido num contexto de qualidade e que o obrigue constantemente a lutar para melhorar, é algo que o ajudará a evoluir no caminho certo... para que não se torne em mais um caso mal gerido.

domingo, 20 de julho de 2014

Curtas da pré-época

Vimos ontem, pela primeira vez, a nova cara de um FC Porto que, pelo menos no que conta a nomes, entusiasma bastante. Essa é a primeira nota a ressalvar, do meio campo para a frente e tendo em conta o nível da nossa liga, a qualidade individual é mais que muita.

Apesar do pouco tempo de trabalho de Lopetegui, há algumas ideias que parecem ser padrão na forma de jogar do FC Porto, umas melhores que outras. Comecemos pelo que me pareceu pior. Em primeiro lugar, a falta de paciência em organização ofensiva e no momento em que recuperava a bola, que forçou o jogo para frente, sempre a privilegiar um jogo mais partido, com mais protagonismo para os extremos, o que leva ao segundo ponto. Deu sempre a ideia que Josué joga a pivot porque tem uma enorme qualidade de passe longo, que permite criar situações de 1x1 para os extremos, principalmente para Tello. Aliás, houve momentos em que a melhor solução nem era essa, mas o destino era sempre o mesmo. Estes dois factores fazem com que o FC Porto fique mais frágil em organização ofensiva, principalmente num aspecto em que poderia ser fortíssimo, no jogo interior, com jogadores como Oliver, Josué e Evandro, que perdem bastante protagonismo e com isso o jogo perde criatividade e variabilidade.

O jogo de ontem teve também dois factores que me agradaram. Desde logo a enorme vontade de defender onde se quer atacar. Várias vezes se viu uma primeira linha de pressão muito perto da área do Genk e, apesar de por vezes ser uma pressão muito descoordenada, também é verdade que o FC Porto conseguiu recuperar várias bolas já no último terço. O senão, para já, é que quando esta primeira zona de pressão foi batida, os extremos e os interiores demoraram muito a recuperar, o que rapidamente criou situações de inferioridade numérica, especialmente através de desequilíbrios na profundidade dos laterais adversários. O segundo factor positivo, foi o jogo que Rúben Neves fez. Incrível a facilidade com que varia o jogo, lateral e vertical, a simplicidade com que sai de situações complicadas. Parece que joga há vários a este nível, sempre com enorme facilidade em se ajustar para que possa receber e dar sempre uma saída de zonas de pressão. Tendo em conta a recente contratação de Casemiro é esperado que o Rúben fique a jogar na equipa B em vez de desperdiçar um ano a jogar nos sub - 19.

Domingo haverá mais um jogo. Com mais uma semana de trabalho, será possível verificar se estes comportamentos têm algum tipo de evolução para que a qualidade de jogo justifique o entusiasmo que para já se verifica.


quinta-feira, 17 de julho de 2014

24

Não, apesar do título, este texto não é sobre a famosa série de televisão superiormente protagonizada por Kiefer Sutherland. 

Agora que o mundial de futebol terminou é tempo de nos dedicarmos a questões mais domésticas.

A época 2014/15 já começou oficialmente. É verdade. Ainda a fase final do mundial ia a meio, no início do corrente mês de julho, e já se jogavam as primeiras pré-eliminatórias para a Liga dos Campeões Europeus e para a Liga Europa.

Por cá a bola também já vai rolando, com os primeiros jogos de preparação. As equipas estão em plena fase de pré-temporada, os treinadores preparam os jogadores que têm disponíveis e os dirigentes procuram as melhores oportunidades de compra e venda para montarem os melhores planteis possíveis. É um tempo em que todos os adeptos sonham, com esperança redobrada, em poder assistir a uma época em que os objetivos das equipas que apoiam sejam cumpridos.

Na semana passada foram efetuados os sorteios das competições profissionais organizadas pela Liga: Primeira Liga, Segunda Liga e a 1ª fase da Taça da Liga. De relevante, pelo que se ouviu e comentou, só um aspeto mereceu destaque: o Sporting desloca-se ao Estádio da Luz no último dia de agosto para cumprir a 3ª jornada do campeonato. Eu optei por verificar a confirmação de algo que já suspeitava: um campeonato da 2ª Liga com 24 equipas vai ser um martírio...


 Um campeonato profissional com 24 equipas pode não ser novidade na Europa. Mas deve ser muito raro. E em Portugal é inédito. No espaço de 3 anos a 2ª Liga portuguesa cresceu, em número de clubes, 50%. De 16 passou para 22 com a integração de 6 equipas B e este ano passa para 24 por via de um alargamento cujas causas não são evidentes mas com efeitos concretos: não houve despromoções na época passada!

O alargamento para 24 foi inicialmente justificado como base para uma mudança mais radical: a divisão da 2ª Liga em duas séries de 12, tendo como fundamento a redução de custos. Sim, porque uma deslocação de Chaves a Portimão não é nenhuma brincadeira. Porém essa proposta não foi aceite pela maioria dos clubes sem que se percebesse porquê. Talvez o sério risco que alguns clubes corriam em não defrontar o Benfica B sustente esta recusa...

O facto é que um campeonato a 24 implica 46 jornadas. Se lhe juntarmos um jogo na Taça de Portugal e três na Taça da Liga temos um mínimo de 50 jogos oficiais a disputar por estes clubes. E como o ano só tem 52 semanas e as competições param para férias, pré-época, compromissos das seleções e para a tradicional pausa natalícia é evidente que a calendarização não é fácil. Essa dificuldade comprovou-se. O campeonato tem 12 jornadas agendadas para quartas-feiras; há 2 períodos (em fevereiro e março) com 5 jornadas encaixadas no espaço de 2 semanas; entre 27 de julho e 31 de agosto há equipas que disputarão 10 jogos oficiais, juntando o campeonato à fase de grupos da Taça da Liga.
 
As implicações em termos de custos, dimensionamento dos planteis, regime de treino, tempos de recuperação, incidência de lesões são mais ou menos óbvias. As futuras críticas ao modelo por parte de treinadores e dirigentes são expectáveis. A fraca adesão dos adeptos, principalmente nas jornadas disputadas a meio da semana, não espantará.

E fica a minha pergunta: como é que não aparece ninguém que ponha travão a tanto disparate?

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Retrospetiva do Mundial

Terminou a maior competição do panorama futebolístico. Foram 4 semanas de futebol, numa competição recheada de golos, surpresas, festa e com a confirmação que o antigo ditado ainda se aplica: "São 11 contra 11 e no fim ganha a Alemanha". Mas foi realmente este um dos melhores Mundiais de sempre? Vejamos: 

AS 4 SEMI-FINALISTAS

Das 4 equipas que chegaram às decisões finais, apenas uma apresentava um futebol de qualidade: a Alemanha. E aqui fala-se em futebol de qualidade com a premissa de ideias coletivas de valor, não da dependência de individualidades para atingir a vitória. 

Comecemos pelo 4º classificado: o Brasil. Desde o 1º jogo que os canarinhos apresentavam deficiências coletivas graves. Superioridade na zona da bola? Nem a defender, quanto mais a atacar. Apesar de não defenderem com referências individuais per se, em todos os jogos existiram uma mão-cheia de erros defensivos a surgirem da tentação de seguir o adversário e não a ocupação racional dos espaços. No ataque era cada um por si. A partir do momento em que a bola entrava num dos 4 homens da frente, o objetivo era sempre procurar espaços longe do portador, sem nunca haver a preocupação (e paciência) para procurar melhorar as circunstâncias do lance e os melhores timings de entrada. Além disso, a pressão a que os jogadores foram expostos antes e durante o Mundial pagou-se caro a partir do momento em que os erros começaram a sobrepor-se à qualidade individual dos jogadores. Os 10 golos sofridos nos últimos 2 jogos são uma consequência disso mesmo. Contra equipas mais competentes o véu caiu e deixou as (graves) falhas à mostra. Sem rumo nem capitão ao leme, os brasileiros caíram numa espiral negativa, orfãos da capacidade para se levantarem devido à falta de ideias coletivas de qualidade. Culpa de Scolari que nunca conseguiu dar à equipa princípios de jogo de valor, dum país que esperava demais daquilo que a seleção foi oferecendo e duma federação que se recusa a evoluir, como se copiar ideias de que faz as coisas bem fosse uma afronta.

A Holanda é um caso paradigmático deste Mundial. Equipa baseada (será "baseada" a palavra correta quando não sabiam fazer outra coisa?) em transições rápidas, foi avançando na competição pelas veleidades dadas pelos adversários. Mas uma coisa é verdade: com espaço, esta Holanda é muito perigosa. Van Persie é fantástico a movimentar-se e Robben foi figura maior duma equipa que jogava com o seu ADN. Mas... e quando não existia espaço para transitar em velocidade? Pois. As coisas complicavam e muito. Em organização ofensiva, a Holanda era extremamente previsível: bola num flanco, roda pelo trinco\centrais e bola para o outro flanco. Constantemente. A variação do centro de jogo é uma boa opção para abrir espaços no adversário. Mas tal só dá frutos se após a criação de espaço houver intenção de entrar pela zona central e desequilibrar em definitivo o adversário. Caso contrário é bola a rodar, sempre por fora do bloco, e cruzamento. E era isso que acontecia, com um rácio de aproveitamento claramente deficitário. Já defensivamente, o dedo a apontar a Van Gaal surge pelas marcações individuais (até no meio-campo!) dos seus jogadores. Ao defenderem com linhas recuadas e 3 defesas-centrais, promoviam a aglomeração de jogadores em zonas importantes. Mas isso não equivale a defender bem. Foram várias as vezes em que a defesa holandesa se viu aos papéis com o arrastar de marcações dos seus homens mais recuados. Não existiam referências zonais a ocupar e o foco era sempre o adversário. Para alguém que no passado deu passos tão importantes na evolução do futebol, Van Gaal deixou muito a desejar.

A Argentina foi um caso semelhante, em menor escala mas com um trunfo de peso: Lionel Messi. Sem ele, os argentinos não teriam conseguido chegar onde chegaram. Analisaremos a performance do astro argentino mais à frente, pois para já importa analisar a qualidade da equipa de Sabella... que não foi muita. Parecia um filme saído dum relvado dos anos 80. 3 ou 4 jogadores para atacar, os restantes para defender. Equipa completamente partida em transição e com extremas dificuldades em controlar os espaço a meio-campo pela falta de plasticidade da linha média. Com bola existiam boas intenções (portador com linhas de passe próximas, boa ocupação do espaço central, mobilidade dos apoios) mas nada de transcendente. E muitas vezes eram Lavezzi e Di Maria, no seu jeito desengonçado, que lá desequilibravam o adversário com a reconhecida facilidade no 1x1\2. A chegada à final foi feita constantemente no limite, com um único golo de diferença em todos os jogos. Salvou Messi mas os problemas eram visíveis e com a extraordinária qualidade individual presente na equipa, Sabella devia e podia ter feito muito mais.

A Alemanha foi consistentemente a melhor equipa deste Mundial. Com alguns defeitos sim, mas no panorama global mereceu ganhar a competição porque jogou o melhor futebol. São, a par da Espanha, o país com melhores perspetivas futuras em termos de jogadores e ideias de jogo. Nos primeiros dois encontros alguns erros posicionais em posse deixavam no ar dúvidas quanto ao controlo do espaço, com a equipa desequilibrada e sujeita a transições perigosas pelo mau posicionamento das suas peças. Mas rapidamente resolveram o problema. O controlo da profundidade a defender alto foi, para mim, o ponto alto desta seleção. Ofensivamente beberam daquilo que Guardiola deu este ano ao Bayern e construíram uma equipa forte em posse e mortífera em contra-ataque. Juntando a isso jogadores de craveira ao nível do melhor existe, as condições estavam criadas para se tornarem imparáveis. Especial menção para Muller e Lahm, dois portentos da inteligência que em qualquer posição do onze seriam considerados dos melhores do Mundo.

O MELHOR DA COMPETIÇÃO

A eleição de Lionel Messi como melhor jogador do Mundial deixou muitos surpresos e irritados. A mim não. Messi foi, ao longo da prova, o jogador que mais e melhor agiu nas mais variadas situações com que foi confrontado. Constantemente obrigado a lidar com lances de inferioridade numérica devido a um Modelo com princípios ultrapassados, fazia quase sempre a diferença e optava pela melhor decisão, mesmo que essa decisão implicasse não partir para o drible ou simplesmente manter a posse. Aproveitando a temática, no Lateral Esquerdo fizeram uma excelente análise. Recomendado. 

Um dos maiores argumentos usados para se justificar a "inferioridade" de Messi face a Maradona é o facto de Maradona ter "carregado" a equipa às costas para a vitória dum Mundial. Bem, Messi não ganhou o troféu mas fez exatamente o mesmo. Dentro daquilo que um único homem pode fazer face aos contextos apresentados pelo jogo, Messi deu à sua seleção a hipótese de lutar pelo título mais importante do futebol.. Não foi o melhor marcador, não foi o maior assistente, mas foi aquele que melhor resposta deu às condicionantes do jogo. E por isso merece, mais que qualquer outro, a nomeação de melhor jogador da prova.

A NOSSA SELEÇÃO

Portugal saiu do Mundial de cabeça baixa. Em terceiro lugar do grupo com 4 golos marcados e 7 sofridos, a seleção foi o espelho duma decepção há muito anunciada. Pouco interessa discutir a convocatória e os fatores externos condicionantes. Não foi por falta de vontade e empenho que Portugal caiu tão cedo. Foi por falta de ideias. Os erros cometidos pela equipa foram muitos, desde falta de criatividade da equipa em momento ofensivo até ao ridículo, quase caricaturesco, comportamento da linha defensiva. São tantas as dificuldades que fica no ar a dúvida até que ponto a federação dará liberdade a Paulo Bento para continuar no cargo nos próximos tempos. Já não existe a qualidade da altura de Deco, Rui Costa, Ricardo Carvalho, Figo, ou até uma base de jogadores que jogue junta e tenha boas rotinas (Porto 03\04) e isso exige ainda mais competência a quem gere o futebol nacional. Uma coisa é certa: se não houver mudança (não necessariamente no treinador mas na abordagem do mesmo) as coisas manter-se-ão na mesma.

Em jeito de conclusão, este Mundial foi para mim uma decepção. Equipas a jogar com princípios há muito ultrapassados só prejudica a evolução do futebol. O espectador gosta de golos e foi isso mesmo que houve, em fartura até. No entanto, não surgiram pela qualidade ofensiva das equipas mas pela desorganização defensiva latente. Foi uma prova nivelada por baixo e a análise deve ser feita em termos absolutos, não em termos relativos. Dizem que o clima afetou o futebol praticado. Não refutando esse facto, tal argumento não pode nem deve ser desculpa para a pobreza de ideias demonstrada na competição. Os próximos Mundiais serão na Rússia e no Qatar, dois países com climas ainda mais extremos que o Brasil. Como será aí então?

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Enzo Pérez

Enzo Pérez fez ontem o segundo jogo pela Argentina, depois de ter jogado 57min frente à Bélgica. E, surpresa surpresa, fez um grande jogo.

Enzo é fantástico em todos os momentos, mas em particular num: quando tem a bola e vê espaço para progredir. Bola colada ao pé, condução sempre (que possível) direcionada em direção à baliza e com um timing de passe só superado por Messi. Senão vejamos:



É incompreensível como Sabella apenas o vê como opção secundária quando ele é o médio mais completo da equipa. Di Maria e Lavezzi podem ser portentos nos duelos individuais mas Enzo também o é quando a situação assim o pede. E dá 10-0 no resto dos momentos aos acima citados.

Os problemas da Argentina já aqui foram analisados. Sabella, não há nada que saber: equipa em 4-4-2 losango, com Mascherano, Enzo, Gago e Di Maria como médios, Messi e Aguero (Lavezzi) na frente. Em Organização Defensiva, quando a bola estiver numa das laterais o interior desse lado sai ao portador, avançado do lado da bola a "abafar" e a impedir o passe recuado, médio-ofensivo corta linha de passe interior, médio-defensivo em cobertura orientado pelo referencial bola-baliza e interior do lado contrário a fechar ao meio. Com bola em zona central, médio-ofensivo baixa para a linha dos interiores a proteger o meio, um dos avançados saí na pressão e o 2º avançado equilibra a equipa em cobertura.

Mas mesmo que seja para manter o 4-3-3\4-4-2 na final, Enzo tem, indiscutivelmente, lugar. Veremos se contra a Alemanha Sabella voltará a deixar o seu melhor médio no banco.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

A catástrofe brasileira: o rei vai nu

No futebol a equação está longe de ser simples, mas o jogo é uma amálgama de duas faces de uma mesma moeda: qualidade individual na resolução de problemas micro do jogo, princípios e ideias a sustentar uma intencionalidade colectiva na resolução de problemas de maiores dimensões.

Enquanto os adversários foram sendo a Croácia, o México, o Chile ou até a Colômbia, a maior qualidade individual brasileira em quase todos os sectores foi levando paulatinamente a água ao seu moinho, com maior ou menor dificuldade. As equipas de forma geral eram mais organizadas, mas quem tem Óscar, Hulk, Neymar ou Thiago Silva (entre outros) na resolução deste tipo de problemas de ordem mais reduzida arrisca-se a ganhar qualquer jogo.

Perante esta realidade, era fácil de perceber que quando este Brasil encarasse um adversário igualmente forte a nível individual e que a isso juntasse ideias, intencionalidade colectiva, que juntasse à capacidade de resolver problemas individualmente no centro do jogo (com e sem bola) a capacidade de pensar o jogo por um mesmo cérebro, as coisas podiam correr mal. Junte-se a isso um decréscimo significativo na qualidade individual, pelas ausências do jogador mais influente do sector defensivo (Thiago Silva) e do jogador mais influente do sector ofensivo (Neymar) e Scolari tinha uma bomba-relógio nas mãos.

Desenganemo-nos: nem a selecção alemã tem futebol suficiente para atropelar a congénere brasileira por 7-1, nem o troféu está entregue por ter acontecido este resultado. A aleatoriedade constitui uma parte considerável do jogo, e os golos surgiram hoje em momentos-chave, inquinando completamente o jogo à partida. Não sirva isso no entanto para ocultar que o rei da Copa, o penta-campeão mundial e todo poderoso Brasil, vai mesmo nu.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

A construção sem fim

A carreira de um treinador é madrasta para quem pretende alcançar a perfeição. Ao lidar frequentemente com situações fora do seu controlo e com a obrigação de muitas vezes encarar os objetivos propostos com armas inferiores ao que se precisa, surge a necessidade da reinvenção... constante. Lesões, castigos, vendas, seja o que for, haverá sempre algo a bloquear o sonho do jogar perfeito.

Vejamos a situação atual de Jorge Jesus no Benfica. Do plantel campeão do ano passado, Garay, Siqueira e Markovic (praticamente) já saíram. Rodrigo e André Gomes estão vendidos e o mais certo é ficarem de fora das opções para o plantel a curto-prazo. Oblak está com um pé no Valência e a situação de Enzo Perez e Gaitán continua por clarificar. Ou seja, do 11 base da época passada, Jorge Jesus pode vir a perder mais de metade.

No entanto, os objetivos mantêm-se: Campeonato, Taça e brilharete nas competições europeias. Dê por onde der, Jesus vai ser obrigado a reconstruir ideias e princípios de jogo, com 95% de certezas que a qualidade global do plantel deste ano vai ser inferior ao do anterior que foi, provavelmente, o melhor desde que chegou ao Benfica.

Tendo Jesus até agora nunca abdicado do deu 4-4-2, fica no ar a dúvida de como irá organizar as ideias do seu Benfica. Taticamente, o ano passado foi o melhor até agora, até porque a qualidade individual dos jogadores assim o proporcionou. Talvez a melhor equipa da Europa a defender com poucos elementos, essa qualidade permitia ao Benfica atacar com muitos, mantendo o equilíbrio no momento da perda e reagia invariavelmente da melhor maneira. Mérito do treinador e da capacidade de adaptação dos jogadores às situações de jogo.

Uma das grandes evoluções do Modelo de Jesus no último ano foi ter os médios-ala mais próximos do centro do terreno. Existiam mais opções por dentro, os laterais davam largura e o jogo benfiquista fluía duma maneira que não era vista desde 09\10. Grande parte desse salto qualitativo foi ter Markovic e Gaitán nos flancos, jogadores que pelas suas características "obrigaram" a essa mudança. Era notório, por exemplo, aquando da entrada de Salvio no onze, o decréscimo no jogar do Benfica. O argentino procura mais situações de 1x1, muitas delas em direção à linha final e apesar de dar mais verticalidade perde noutros (vários) momentos para o sérvio. Saindo Markovic e Gaitán, Jesus será obrigado a criar princípios que retirem o melhor dos novos titulares, mas fica a dúvida se isso irá obrigar a um jogo ofensivo mais largo, com apoios mais distantes, e por consequência, com menos controlo da Transição e dos espaços.

Quantos dos que saíram (ou sairão) apanharam Jesus de surpresa? E para colmatar essas saídas, quantos dos que chegaram (ou chegarão) são exatamente aqueles que o treinador pediu? Assim é a vida de um treinador. Fatores internos e externos obrigam a haver uma constante renovação nas ideias de jogo, adaptando-se às circunstâncias e sempre com os objetivos lá em cima. Difícil? Sim. Apaixonante? Sem dúvida. É um trabalho sem fim, com um objetivo utópico e que por muito complicado que seja a certas alturas, é como uma droga: quanto mais se entranha mais falta se sente quando não lá estamos.

sábado, 5 de julho de 2014

Até uma próxima

Mais um jogo a roçar a perfeição de James Rodríguez. Criatividade, criatividade e mais criatividade. Cada toque na bola é um aproximar do que pode vir a ser mágico:


Hoje despede-se do Mundial do Brasil um dos seus maiores intérpretes. 6 golos marcados e uma chegada aos quartos de final com uma seleção que não tem ninguém sequer perto do seu nível. Felizmente, os golos que marcou dar-lhe-ão uma notoriedade internacional que já faltava a um dos maiores prodígios do futebol atual. Que vá para um clube ao seu nível e consiga conquistar títulos verdadeiramente importantes que tamanho talento merece.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Os desequilíbrios da Alemanha

É das ideias de jogo que mais me agrada, aquela que apresenta a Alemanha. Tem como intenção ser dominadora com a bola e criar desequilíbrios nas estruturas adversárias através de uma circulação variada mas, sempre com maior valorização do corredor central. Faz uso dos movimentos horizontais de Muller e da movimentação profunda dos interiores, para que Özil e Götze possam jogar no meio e assim combinar através de tabelas e entradas em profundidade. Teriam ainda mais variabilidade e qualidade ofensiva se tivessem dois laterais que oferecessem profundidade ao jogo alemão (incrível a diferença do jogo alemão com Lahm a lateral). No entanto, e curiosamente, pode ser o momento ofensivo o principal responsável para que a Alemanha não vá mais longe.

Para que uma equipa possa ganhar com maior regularidade é necessário que haja equilíbrio, principalmente em Organização Ofensiva, se este princípio não for respeitado o jogo torna-se mais partido, menos controlado pelas equipas que assumem a posse como intenção para desequilibrar o adversário. Para que haja equilíbrio é necessário que as equipas saibam que, tirando as situações de golo, o próximo passo é perder a bola portanto, é necessário que cada perda de bola não resulte numa situação potencial de golo para o adversário, como aconteceu na primeira parte contra a Argélia. 



Este é um dos factores que provoca os desequilíbrios no momento de perda da Alemanha, nos corredores laterais, e particularmente no último terço, raramente criam apoios por trás da linha da bola, o que torna difícil recuperar a bola na zona da perda ou, pelo menos, condicionar o primeiro passe da equipa adversária. Foi assim que a Argélia criou tanto perigo, roubo nos corredores, onde os laterais tinham muitas dificuldades, e depois um passe longo a sair da zona onde tinham roubado a bola. Valeu Neuer.


Valeu Neuer a compensar os constantes erros de posicionamento dos centrais quando a Alemanha tinha a bola no último terço, sempre muito longe entre eles, sem pensarem no momento da perda. Apesar das imagens serem relativas a apenas um lance de perigo da Argélia, estes erros foram uma constante no jogo da Alemanha e se, neste jogo Neuer chegou para segurar a Alemanha no momento da perda, o mesmo não se vai verificar de certeza contra a França.

Para além deste ponto, do momento da perda, há mais dois que devem merecer reflexão para Löw, estes no momento de Organização Defensiva. Em primeiro lugar, o comportamento da linha defensiva quando o portador da bola não se encontra pressionado, mantém-se sempre muito alta. O outro factor que merece reflexão é a dificuldade que os extremos apresentam para ajustarem o seu posicionamento quando a equipa adversária troca rapidamente o corredor, é muito fácil criar situações de 2x1 contra o lateral alemão.

Acredito que se estes comportamentos não forem alterados veremos no próximo jogo uma Alemanha a passar por grandes dificuldades.

Quem paga adiantado... é mal servido!

Segundo vários órgãos de comunicação social os responsáveis pela delegação portuguesa ao Campeonato do Mundo iniciam hoje o processo de avaliação à campanha da seleção nacional no Brasil. A informação veiculada indica que o objetivo é identificar o que correu mal com vista à preparação do Europeu de 2016.

Parece-me bem! A avaliação é fundamental. E se servir para evitar erros semelhantes no futuro, ainda melhor. Mas há uma questão que emerge de imediato: o que acontece se as conclusões deste processo de avaliação apontarem para erros graves ou manifestas incompetências por parte do selecionador nacional?

Desde que se confirmou a eliminação de Portugal o próprio Paulo Bento tem-se assumido, perante o país, como único responsável de tudo o que aconteceu. Desde a (pré)convocatória dos jogadores, à escolha do local do estágio, à digressão por terras do Tio Sam, à condição física dos jogadores, às opções táticas... Também tem sido assumido (como se tal fosse necessário) que os objetivos mínimos não foram cumpridos. Assim sendo a conclusão só poderá ser uma: culpa do Paulo Bento! Caso se confirme ser esta a conclusão do processo de avaliação, que consequências haverá tendo em consideração que o Paulo Bento já disse que não se demite e que a Federação está amarrada a um contrato renovado há cerca de 2 meses?

E é aqui que bate o ponto! Que necessidade tão premente levou a Federação a propor (ou a ceder) uma renovação do contrato nas vésperas da fase final do mundial? O que os terá conduzido a recompensar antecipadamente o timoneiro da seleção antes do trabalho ser concluído? O povo diz, na sua imensa sabedoria, que quem paga adiantado é geralmente mal servido. Os brasileiros adaptaram o provérbio aplicando-lhe um teor mais duro. Dizem eles que quem paga adiantado merece ser enganado.

Há alguns anos que tenho uma posição de princípio: para mim um selecionador nacional tem prazo de validade: 4 anos no máximo, que corresponderiam a duas campanhas: um mundial e um europeu. Com contratos de 2 anos e direito a uma renovação caso a avaliação sobre os resultados alcançados na 1ª campanha se revele positiva. Admito que haja circunstâncias que aconselhem mais do que uma renovação (como aconteceu com Scolari, com resultado sofrível), mas não entendo a lógica de decidir renovações antes de serem conhecidos os resultados e ser avaliado o cumprimento dos objetivos fixados.

Não existindo lógica aparente abre-se caminho para lógicas encapotadas. Talvez não seja descabido considerar que a renovação antecipada do contrato com o Paulo Bento tenha servido de contrapartida para que este assumisse integralmente as responsabilidades por todas as decisões, salvaguardando incompetências e amadorismos da estrutura federativa. Que tenha servido para lhe comprar o silêncio e uma lealdade extrema face a interesses mais ou menos confessáveis. Que tenha servido para o colocar numa posição em que já esteve no passado, ao serviço do Sporting, a oferecer sozinho o corpo às balas. Sendo ele o único responsável por todas as decisões associadas à preparação, estágio e competição da seleção não se percebe a utilidade da presença de pessoas como o Humberto Coelho ou o João Vieira Pinto.

Salva-se o chef Hélio Loureiro. Esse, pelo menos, já veio a público confirmar que não necessitava de orientação do Paulo Bento na confeção das suas ementas. A decisão sobre o jantar de "Bacalhau com Todos" ou "Mão de Vaca com Grão" era da sua exclusiva responsabilidade e competência. Mas por esse lado não consta que tenha havido qualquer reclamação.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Notas dos Oitavos-de-Final (2)

França-Nigéria

Mesmo sem Ribéry, por lesão, e Nasri, por motivos disciplinares, a França tem uma selecção de impor respeito a qualquer adversário. Tem organização, equilíbrio e bons princípios ofensivos, por isso Deschamps está de parabéns pela qualidade colectiva que conseguiu incutir na sua equipa. A nota só não é mais elevada, porque não me parece que ele esteja totalmente ciente de onde está a maior força da equipa: o meio-campo carece de imaginação e não tem soluções no banco que tragam algo de novo a esse nível (Gourcuff, infelizmente, já deu o que tinha a dar, e Grenier lesionou-se no estágio de preparação), pelo que é quase obrigatório que Valbuena, Griezmann e Benzema, os seus três jogadores mais criativos, joguem juntos na frente de ataque. Contudo, Deschamps não parece estar muito convencido de que essa é a melhor opção e tem tentado conciliar Giroud e Benzema no seu 4x3x3, com este último a fechar o flanco esquerdo. É uma hipótese, claro, porque Giroud é um jogador acima da média, mas Valbuena, Griezmann e Benzema entendem-se às mil maravilhas e tornam esta França uma equipa mais imprevisível e versátil, menos dependente das recuperações altas do meio-campo para criar perigo e mais competente a furar blocos baixos e densos. É verdade que foi com Valbuena, Benzema e Giroud que a França ganhou 5-2 à Suíça, mas esse foi um jogo atípico, em que os jogadores suíços baixaram os braços demasiado cedo devido à sucessão de erros individuais, pelo que deve haver algumas cautelas nessa análise. Neste jogo dos oitavos-de-final, embora tenha dado sempre a sensação de que a França estava a jogar em ritmo de passeio e que o aparente domínio da Nigéria era consentido, ficou bem patente aquilo que Griezmann é capaz de trazer a esta equipa, quando foi lançado aos 62 minutos: não só isolou Benzema no lance imediatamente anterior ao primeiro golo, como também esteve na jogada que deu origem ao autogolo de Yobo, tendo coincidindo a sua entrada em jogo com a fase em que a França puxou dos galões e mostrou toda a sua superioridade. Coincidência? Talvez sim, talvez não, mas acredito que muito do sucesso da França neste Mundial do Brasil vai depender da perspicácia de Deschamps no que toca a esta questão. De resto, há a salientar, pela negativa, a entrada bárbara de Matuidi sobre Onazi, que se o árbitro tivesse feito cumprir as regras e exibido o correspondente cartão vermelho directo, podia ter colocado a selecção gaulesa em grandes apuros, num jogo globalmente pouco conseguido.

Alemanha-Argélia

Tenho lido algumas análises a este jogo em que se diz que o resultado é tremendamente injusto e que a Argélia fez por merecer outra sorte. Concordo que os primeiros vinte minutos foram penosos para a Alemanha, muito por causa da abordagem arrojada e corajosa da Argélia, mas a partir daí, a Alemanha estabilizou o seu jogo, terminou a primeira parte claramente por cima e na segunda parte, só uma excelente exibição de Mbolhi (não o conhecia, mas o melhor elogio que lhe posso fazer é que foi o guarda-redes que mais me impressionou neste Mundial) permitiu à Argélia levar o jogo para prolongamento, o que já aí, a meu ver, não se justificava. Aliás, do lado dos argelinos, há que dizer que o único aspecto do seu jogo que merece elogios é a atitude ambiciosa, não tendo receio de pressionar alto uma selecção muitíssimo mais forte a todos os níveis. De resto, a organização defensiva não é brilhante, nem de perto nem de longe, e os processos ofensivos são algo rudimentares para esta fase da competição. Um conjunto de jogadores esforçados e com uma alma e uma crença enormes, mas não mais que isso e ficam pelo caminho quando tinham que ficar. Quer isto dizer que a Alemanha é uma equipa temível e que fez um grande jogo? Claro que não. Esta geração é provavelmente a melhor de sempre do futebol alemão, mas não tem uma liderança técnica à altura. Löw é alguém que aparenta ter boas intuições e privilegiar as coisas certas, mas depois tem opções técnicas incompreensíveis e dá ideia de querer copiar uma determinada matriz de jogo, mas sem perceber muito bem o que está a fazer. Por exemplo, o critério e a paciência na construção e o privilégio pelo corredor central para desenvolver os ataques parecem revelar que Löw conhece bem o tipo de jogadores que tem, mas que ideia é aquela de jogar com centrais adaptados a laterais? E largura e profundidade, quem dá? O resultado é uma equipa com algumas ideias, mas com um jogo posicional deficiente, com demasiados jogadores por dentro e à frente da linha da bola, o que não só emperra o processo ofensivo, como deixa a linha defensiva permanentemente exposta. Com Durm e Lahm nas laterais (ou mesmo Grosskreutz, se Löw quisesse manter o jogador do Bayern no meio-campo), esta Alemanha seria muitíssimo mais difícil de bater. Assim, não sei bem o que esperar, mas quem tem um leque de jogadores de tanta qualidade pode aspirar a tudo. Para concluir, não posso deixar de fazer dois destaques individuais: Neuer, pois foi muito por causa do seu exemplar controlo da profundidade (não há nenhum guarda-redes actualmente que faça tão bem de líbero como ele) que a Alemanha conseguiu asfixiar a Argélia na segunda parte e no prolongamento, e Müller, que é um jogador sensacional e que está a mostrar neste Campeonato do Mundo que, ao contrário do que se disse durante a época, pode muito bem ser o falso 9 que Guardiola tanto procura no seu Bayern de Munique.

Argentina-Suíça

Sob o comando de Sabella, a Argentina é um desastre à espera de acontecer. Além de ter um colectivo disfuncional em praticamente todas as fases do jogo, existem também lacunas individuais em alguns sectores, o que é inaceitável na selecção com uma das bases de recrutamento mais vasta: como se já não bastasse ter deixado de fora da convocatória Otamendi, Banega, Pastore, Gaitán e Tévez (podia ainda falar de Cambiasso e Zanetti, mas já nem vou por aí…), Sabella ainda se dá ao luxo de prescindir de Enzo, que é só o melhor médio que tem, e de ter entre as primeiras opções jogadores de qualidade discutível, como Romero, Fernández, Rojo, Mascherano (pelo menos como médio) e Maxi Rodríguez. O resultado é uma equipa mal distribuída em campo, com um bloco para defender e outro bloco para atacar, sem jogo interior e completamente «Messidependente», pois o astro argentino é o único que ainda vai tentando dar algum sentido a tanto desnorte. Perante tanta falta de qualidade colectiva, aproveitou a Suíça (que, é bom lembrar, conta nas suas fileiras com jogadores como Lichtsteiner, Ricardo Rodríguez, Inler, Xhaka, Mehmedi, Drmic e Shaqiri, entre outros) para causar embaraços à selecção alviceleste? Nem por isso, ou não fossem treinados por quem são. Defender com todos e atacar com três jogadores, é esta a receita de Ottmar Hitzfeld para o sucesso, seja em que situação for, por isso não admira que a selecção suíça tenha tido apenas duas oportunidades de golo em 120 minutos, contra um adversário que defende pior do que muitas equipas da Liga ZON Sagres. Assim sendo, a Argentina, mesmo com um futebol sofrível e muito aos repelões, lá foi construído sucessivas ocasiões de golo e o tento de Di María no último minuto do prolongamento só pecou por tardio. Agora vem a Bélgica, cujas individualidades ofensivas vão certamente dar as dores de cabeça que a Suíça não foi capaz de dar. Ainda sobre o extremo do Real Madrid, disseram os comentadores de serviço que foi o melhor jogador em campo. Não sei que jogo é que eles viram, mas acontece que Di María fez um jogo horripilante e só teria sido o melhor em campo se o objectivo do futebol fosse ver quem tomava as piores decisões e perdia mais bolas. Como não é, o melhor em campo foi, e a larga distância de todos os outros, Lionel Messi, que fez provavelmente o seu melhor jogo neste Mundial.


Bélgica-Estados Unidos

Num dos jogos mais emocionantes destes oitavos-de-final, Bélgica e Estados Unidos mediram forças, mas nenhuma das equipas me enche as medidas. Acho o trabalho táctico de Wilmots e de Klinsmann relativamente pobre, com a diferença que a Bélgica tem um conjunto de jogadores de fazer inveja a muitas selecções de maior reputação, nomeadamente a Portugal, e os Estados Unidos não. Deste modo, num jogo entre duas equipas sem qualidade colectiva assinalável (a organização e a transição defensiva dos Estados Unidos, por exemplo, são terríveis), o domínio avassalador da Bélgica acabou por ser natural, devido à maior valia individual que possui, e se os Estados Unidos não saíram deste jogo com uma derrota pesada, bem podem agradecer a Tim Howard, que rubricou a melhor exibição individual de um guarda-redes neste Mundial. Contudo, apesar do festival de golos falhados, a Bélgica nunca pareceu ter o jogo minimamente controlado e os Estados Unidos foram criando perigo aqui e ali, tendo mesmo, já com o jogo em 2-0 para a Bélgica, encostado os «Diabos Vermelhos» às cordas na segunda parte do prolongamento e não fazendo o empate por muito, muito pouco. Se uma equipa mediana como os Estados Unidos conseguiu expor as debilidades da Bélgica (dificuldades na gestão do jogo, mau jogo posicional, com o meio-campo e a defesa facilmente atraídos por referências individuais, etc), fará uma selecção com outros argumentos…Mas não sei se essa selecção será a Argentina. Em termos individuais, este foi, sem dúvida, o jogo dos craques incompreendidos: Lukaku e sobretudo De Bruyne têm mais do que lugar no Chelsea e Bradley e Dempsey são demasiado novos e têm demasiada qualidade para estarem exilados na MLS.


terça-feira, 1 de julho de 2014

Análise: França

Será possível jogar bem sem ser agressivo e intenso em todos os momentos do jogo? A resposta, obviamente, é sim. Jogar futebol não se resume, nem de perto nem de longe, a ter jogadores constantemente a correr atrás da bola, a pressionar o adversário em todas as zonas, a atacar o mais rápido possível, a rematar sempre que há oportunidade. Antes disso há que saber onde pressionar definindo zonas estratégicas, escolher os momentos de entrada dentro do bloco adversário, rematar apenas quando as boas oportunidades surgem. Um bom exemplo é a França, seleção que até agora não perdeu no Mundial e já assegurou presença nos quartos de final da prova. Não são particularmente intensos, não pressionam em espaços adiantados, tomam o seu tempo para atacar e quando o fazem, fazem-no pela certa.

Olhemos mais em detalhe para o Modelo francês: disposição tática em 4-3-3, com um único pivô defensivo. Primeira linha de pressão perto do meio-campo, marcação zonal em todo o terreno tendo como principal preocupação a ocupação do espaço central do campo. Espaço entre-linhas constantemente ocupado pelo trinco, neste caso Cabaye. Linha defensiva a encurtar o espaço, sem referências individuais a menos que seja em zona de cobertura.


Muitos dos princípios defensivos são bons mas há aspetos a melhorar. Em termos coletivos, o principal problema é o espaço nas costas dos extremos. Assim que a primeira linha de pressão é batida e a bola entra à frente do lateral, surge alguma indefinição na decisão. Quem sai à bola? Lateral na bola e interior na cobertura? Ou interior na bola e lateral na cobertura? Por vezes demoram tempo a coordenar-se e dão espaço ao portador para cruzar. Valbuena consegue minimizar este defeito ao aproximar-se da zona da bola mas Benzema, no período que esteve em campo, raramente contribuiu para isso, deixando ainda mais o flanco esquerdo sujeito a entradas adversárias.

No entanto, quase em compensação por este defeito, a linha defensiva está extremamente bem organizada e lida com cruzamentos da melhor maneira possível. Sempre numa linha de cobertura próxima, gerem a profundidade e a largura (ocupação das 3 zonas fundamentais: 1º poste, zona de penalty, 2º poste) de forma excepcional.


Aqui estão 2 bons exemplos disso. Linha de 3 a controlar os espaços à frente da baliza, cada um dentro das zonas designadas. No primeiro cruzamento, saída do lateral ao portador, bola perto da linha final e a linha de 3 em cima do limite da pequena área. Tudo otimo. No segundo, bola atrasada, subida em bloco da linha, Debuchy e Pogba a demorarem a chegar na pressão mas o ajuste da defesa é impecável, controlando a profundidade e deixando em fora de jogo o avançado nigeriano. O único problema no meio disto tudo? Patrice Evra. Sofrível o tempo que demora a perceber os posicionamentos que deve adotar. No 2º cruzamento, em vez de ocupar devidamente a sua posição ao 2º poste protegendo a baliza de um possível cruzamento largo, vêm a passo e se Matuidi não vêm a marcar o homem em movimento de ruptura, ninguém lá estaria. Aqui fica mais um exemplo da (falta de) qualidade de Evra:


Repare-se a passividade assim que a bola saí da sua zona. Em vez de ajustar ao meio, fica atraído pelo homem na sua zona, perto da linha lateral. Deixa lá o homem Evra, aí não há problema em entrar a bola!

Foquemo-nos no aspeto ofensivo. As saídas de bola a partir da defesa são sempre feitas com segurança. O trinco bem próximo dos centrais, laterais a darem profundidade apenas quando necessário, linhas de passe verticais disponíveis nos interiores. Koscielny dá imensa qualidade à saída de bola. E tudo está bem... até a bola entrar nos pés de Matuidi. Jogar ao lado de Pogba e Cabaye dá outra luz à falta de qualidade técnica do médio PSG. Monstro físico? Sim... quando não varre os adversários. Monstro tático? Só se houver muito espaço para percorrer. Constantes dificuldades na recepção e pouca criatividade em posse deixam o processo ofensivo gaulês manco de um dos lados.

Mas tal pode ser esquecido quando olhamos para a frente de ataque. Valbuena, Griezmann, Benzema e Giroud. 4 grandes jogadores para apenas 3 posições dão qualidade e liberdade a Deschamps para os organizar de acordo com aquilo que o jogo pede. A mobilidade sem bola que cada um deles dá ao ataque francês, se for bem direcionada, pode causar muitos problemas a qualquer seleção.


Aqui, o bom aproveitamento do espaço entre-linhas, em zona central. Passe vertical para Benzema que conduz, fixa, liberta, recebe tabela de Griezmann e apenas falha na finalização. É nestes momentos que a França produz um futebol que poucas seleções conseguem replicar. Se o fizer numa base mais regular e conseguir conter muitos dos cruzamentos que saem dos pés do laterais, podem elevar ainda mais a barra do seu futebol ofensivo.

O próximo duelo coloca frente-a-frente Alemanha e França. A maior valia individual da seleção germânica certamente fará pender, em certas alturas, o jogo a seu favor. Mas conseguindo a França apoiar-se nos seus princípios defensivos e fazendo valer a criatividade e mobilidade do seu trio atacante, procurando espaços fulcrais na defesa alemã e certamente que fará mossa no adversário. De qualquer maneira, será o jogo mais interessante dos quartos de final.