terça-feira, 19 de agosto de 2014

O regresso a casa

Na última crónica deste blog, falamos de Cesc Fàbregas e do facto do seu regresso ao Arsenal, clube onde se tornou no jogador de classe mundial que é, poder ter sido uma realidade neste mercado de transferências. Tal não aconteceu, e o espanhol acabou por assinar com o Chelsea de José Mourinho, tendo já brilhado no seu primeiro jogo oficial pelos "Blues".

Hoje, no entanto, assistimos mesmo à confirmação de um regresso a "casa". O regresso a Alvalade de Luís Carlos Almeida da Cunha ou, como todos o conhecemos, Nani. O extremo de 27 anos regressa ao clube que o formou, que o lançou na alta roda do futebol e que, com ele, conseguiu a maior venda da sua história, quando em 2007 o Manchester United pagou pouco mais de 25M€ por ele. Os primeiros tempos em Manchester até foram um sucesso, e cedo se começaram a gerar grandes expectativas à sua volta, sendo apontado por muitos como um "novo" Cristiano Ronaldo, que por essa altura era a estrela maior de um United imponente e poderoso. No entanto, as épocas foram passando, e Nani nunca chegou a confirmar todo o potencial que lhe era reconhecido. O talento esteve sempre lá e, a espaços, mostrou pormenores grandiosos e fez sonhar muitos adeptos, mas nunca conseguiu atingir a regularidade que sempre caracterizou o actual craque do Real Madrid. Aliado a isso, começaram a surgir as lesões, que o deixaram de fora durante largos períodos de tempo. Foi perdendo o seu espaço em Manchester, e nesta pré-temporada acabou por ser dispensado por Van Gaal, que entendeu não haver lugar para o internacional português no seu plantel.

Chega agora ao Sporting, por empréstimo com a duração de uma temporada, na tentativa de relançar a sua carreira, e de ainda ir a tempo de regressar aos principais palcos europeus. Para o clube, é um acréscimo brutal de qualidade num dos seus sectores mais debilitados (as alas). Um jogador que, mesmo não estando actualmente ao nível que já apresentou no passado, continua a ser uma grande contratação e um aumento de qualidade para o próprio campeonato. E para o jogador, pode ser a oportunidade de recuperar a alegria de jogar, de recuperar a sua confiança, que parece ter desaparecido nos últimos meses. Em Alvalade, Nani poderá ser o líder do ataque leonino, a referência de toda a equipa. A estrela. E jogadores como ele necessitam dessa pressão, desse reconhecimento. Necessitam de ser acarinhados, para que possam explanar toda a sua magia. E que melhor lugar para isso do que a sua "casa". É o casamento perfeito.

Será muito bom se Nani corresponder às expectativas e conseguir voltar a demonstrar toda a enorme qualidade que lhe é reconhecida. O futebol agradece. Porque jogadores como ele contribuem positivamente para a magia do desporto.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O retorno do filho pródigo. Ou talvez não...



O Arsenal e o seu treinador Arsène Wenger declinaram o retorno de um dos seus ídolos, o catalão Cèsc Fabregas. Pode-se dizer que o filho pródigo foi rejeitado pelo seu próprio pai…
Em jeito de introdução, relembro que o mítico nº4 foi um dos melhores médios que o Arsenal conseguiu ter na sua equipa (também apimentando a formação e o facto de ter chegado muito cedo a Londres) e que surge numa altura em que sobravam alguns resquícios das brilhantes equipas que o Arsenal tinha tido há poucos anos atrás e onde “apenas” contava com nomes como Bergkamp, Henry, Pires, entre outros.
Fábregas foi um dos top class players que ficou no Arsenal, mesmo após uma perda de poder gunner face a outras equipas que teimavam a não deixar o clube continuar na senda vitoriosa que até aí se encontrava - casos do Chelsea de Mourinho, o Man United de Sir Alex, um rival Tottenham mais consistente e intrometido nas contas do top4 e um City a endinheirar-se de petrodólares.          
Após algumas novelas de Verão, Cesc Fàbregas voltou ao seu querido Barcelona para se juntar ao tiki-taka catalão que devorava o Mundo pela mão de Pep Guardiola. O resto, é o que se sabe: um Arsenal entusiasmante ofensivamente mas com as suas constantes falhas defensivas (principalmente na transição) e que se contentava com um lugar no top4; um Barcelona a conquistar um lugar na história pelo uso intensivo da sua cantera, pelos sucessivos passes rasteiros e trocas posicionais, e, por conseguinte, pelas vitórias avassaladoras.


Acontece que a época passada (2013/2014), face também à inadaptação de Tata Martino ao estilo de jogo “barcelonesco” (que levou a um 2º lugar na La Liga e a uns Quartos de Finais da Champions) e à quebra da hegemonia do Barcelona, foi anunciado que Fàbregas queria sair do clube para se juntar, à que ele considerava ser, a melhor liga do mundo: a English Premier League.

Tudo faria sentido: o filho que desejava voltar a casa e um pai de braços (e bolsos) abertos à espera de filhotes que lhe trouxessem mais evidência futebolística – Fábregas tinha de ir para o “seu” Arsenal. Para favorecer toda esta situação, existia uma cláusula de recompra de “só” 25M de libras. Tudo estava perfeito: iríamos ver Fábregas a espalhar magia por Londres.
Acontece que … tal não se verificou – pelo menos não no lado que se suponha. Conforme anunciado por Wenger numa conferência de imprensa, tinham acabado de rejeitar Cesc Fàbregas de volta ao Arsenal.
A decisão é tão hedionda quanto ridícula e tem contornos inacreditáveis… Vejamos: 
  1. Fàbregas despontou no Arsenal a jogar como médio box-to-box e como médio-ofensivo (atrás do ponta-de-lança), com movimentos de ruptura – não só através de condução e progressão com bola, mas também com desmarcações notáveis sem bola, aproveitando um arrastamento da linha defensiva provocada pelos seus colegas. No Barcelona jogou a médio-interior do 4-3-3 e do 3.4.3, a extremo e na posição chamada “falso nove”. Na verdade, Fábregas joga onde for preciso: a trinco, médio-centro, box-to-box, interior, nº10, extremo, ponta-de-lança, you name it! Consigo antever quase todas as posições do meio-campo para a frente em que Cesc conseguia dar o seu (enorme) contributo a uma equipa de futebol, apresente-se que esquema táctico se escolher. Aliás, a qualidade é tão abusiva e tão gritante que até a central daria um jogador fantástico. 
  2. Wenger acumulava uns longo 8 anos sem um único título e muitas desculpas se apontaram nesse sentido: delapidação do seu plantel (Fábregas a sair, Clichy, Nasri, Van Persie, Song etc.). Será somente este o problema? A eterna questão da transição defensiva e um gabinete médico frequentemente visitado (metodologia de treino desajustada?) continuam por explicar e por resolver … 
  3. Com a suposta liberdade financeira que agora abunda pelo Emirates Stadium, gastar 25M de libras num jogador fantástico como Cesc Fabregas seria o quê…? Um luxo inexcedível? 
  4. Wenger clarificou que para a posição de Fábregas já teria Mesut Ozil, contratado por 50M de euros no defeso passado. Mas os bons jogadores não podem jogar juntos? Seria assim tão grave colocar Ozil numa ala e colocar Fabregas atrás de Giroud? Ou mudar o sistema para um losango (aproveitar a quantidade de médios criativos que o Arsenal possui) e colocar Giroud e Fàbregas lá na frente? Ou jogar lado a lado no duplo pivot com Ramsey/Wilshere/Arteta/Flamini e deixar Özil a desequilibrar lá na frente?
  5. Quereria Wenger um catalisador mais possante para acabar de vez com o jejum e lutar por algo mais ambicioso do que contratar um jogador que já foi capitão do clube que treina e que é um dos melhores médios do mundo? Quereria Wenger um tónico mais forte que contratar um dos melhores jogadores do mundo para assustar a concorrência, inspirar o seu balneário e confirmar todo o potencial de “futebol bonito e prático” que o Arsenal tem vindo a fabricar nos últimos anos? 
  6. Por último, deixá-lo ir para um rival geográfico e para um dos concorrentes mais fortes ao título inglês é qualquer coisa de inacreditável…




De facto, poucas razões sobram para Wenger sequer justificar uma decisão tão absurda quanto esta.
É certo que o Arsenal deu ontem 3 secos a um fraquito City na Community Shield, que Aléxis (o novo timoneiro gunner) brilhou e que a exibição alegrou todos os gooners espalhados pelo mundo… Mas o meu “gut feeling” é que esta rejeição a Fàbregas foi só uma consequência da estratégia (errada, aparentemente) que Wenger tem dado ao clube desde a sua senda Invincible: muita parra e pouca uva – muita expectativa inicial e pouquíssimos resultados concretos.

Como simpatizante do Arsenal, espero que isto sejam só exageros da minha parte e que o Arsenal consiga efectivar todo o seu potencial futebolístico e conquiste algo significativo. O futebol agradece.
 

terça-feira, 5 de agosto de 2014

O Futebol é Tóxico?

A falência do Banco Espírito Santo está na ordem do dia. Curiosamente pouco se tem falado nas implicações deste facto em relação ao futebol nacional. Talvez porque seja um tema de certa forma hermético. Talvez porque estamos em período de férias. Talvez porque é uma questão demasiado delicada e ninguém parece devidamente habilitado a levantar a ponta do véu sobre certos negócios e engenharias financeiras que nos últimos tempos têm suportado a atividade dos clubes, em particular os mais fortes. Talvez porque todos têm telhados de vidro nesta matéria e é difícil apontar o dedo aos outros...


É conhecida a relação próxima que o Grupo Espírito Santo mantinha com o futebol. A começar pela presença de um dos homens fortes do Grupo até há bem pouco tempo nos órgãos dirigentes do Sporting (José Maria Ricciardi), passando pelos patrocínios aos 3 Grandes, pelo suporte à gestão dos passivos dos clubes e suas Sociedades Anónimas e culminando na gestão direta de Fundos de Investimento exclusivos de Benfica e Sporting. É óbvio e natural que a queda da família Espírito Santo e seu grupo empresarial tenha reflexos profundos na vida e gestão dos principais clubes portugueses, mais que não seja porque deixaram de poder contar com os seus principais interlocutores na banca.

Os relatórios e contas das 3 SAD, a 30 de junho de 2013, apontavam para uma exposição global de Benfica, Sporting e FC Porto ao BES num valor superior a 200 milhões de euros, sendo cerca de dois terços relativos a dívida de curto prazo. Mais de metade desta exposição é responsabilidade da SAD benfiquista. 

É impossível dissociar a recente febre de venda de ativos benfiquistas desta realidade. Ao contrário do que tem acontecido com os seus rivais nota-se desmesurada urgência na realização de transferências por parte do Benfica. Vende-se tudo, a qualquer preço, desde que haja comprador. Vão-se os anéis tentando preservar os dedos.

Encontro dois motivos que justificam esta necessidade:

1 - O Benfica contraiu em dezembro do ano passado um empréstimo obrigacionista no valor de 50 milhões de euros com maturidade de 1 ano e emissão organizada pelo Banco Espírito Santo de Investimento, SA. Desde 2010, pelo menos, que o Benfica cumpre o pagamento das obrigações contraindo novo empréstimo obrigacionista. Sempre com o BES como parceiro privilegiado. Agora já não há BES e desconfio que a facilidade para contrair novo empréstimo desta dimensão daqui a 4 meses não será a mesma...

2 - O Benfica Stars Fund é um fundo de investimento criado em setembro de 2009 com duração prevista para 5 anos. Sim, o prazo deste fundo de valores mobiliários termina daqui a 2 meses. Do Relatório e Contas da Benfica SAD relativo à época de 2012/13: "À data do presente relatório ainda não foi tomada uma decisão sobre a opção a tomar no final do período previsto para o Fundo. A contabilização dos activos e passivos decorrentes do Benfica Stars Fund, assim como o reconhecimento dos rendimentos no período, foi efectuada no pressuposto da continuidade do Fundo após 30 de Setembro de 2014.

Embora a Espírito Santo Activos Financeiros, SGPS (ESAF) tenha transitado para o Novo Banco não é líquido que, com a nova administração, haja continuidade do Benfica Stars Fund. E o que é certo é que vários dos jogadores que tinham parte dos seus direitos económicos no Fundo já foram vendidos (Kardec, André Gomes, Rodrigo, Garay, Cardozo).

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Ideia, Concepção, e Modelo: confusões conceptuais

Não faz sentido treinar sem ideias. Não apenas ideias sobre o treino, mas fundamentalmente ideias sobre o jogo e sobre comportamentos pretendidos. Cabe ao treinador elaborar uma lógica de funcionamento interno da equipa, um conjunto de guidelines transversais a um jogar, e que resultem em intencionalidades colectivas que visem desmontar a infinitesimal quantidade de problemas que o jogo coloca ao longo da sua alternância infinita e contínua entre os quatro momentos. Desta forma, não se ensina um jogo global, porque não existe um jogo global. O processo de treino é fundamentalmente um processo de ensino, um processo de ensino de mecanismos não-mecânicos sustentados em ideias, e isto pressupõe tomar partido de algumas ideias de jogo em função de outras. Não se procura aqui fazer a defesa de determinadas ideias em detrimento de outras, mas sim perceber a sua existência. A existência de ideias variadas, e fundamentalmente, a sua coexistência saudável num paradigma onde, axiologicamente, nenhuma é superior a outra... a não ser na cabeça do treinador.

Ao tomar partido de determinadas ideias em função de outras, o treinador recorre a um conjunto de vivências, experiências e reflexões que servem de pilares orientadores do que virão a ser os princípios de jogo da equipa. A construção deste sistema relacional é do plano axiológico porque implica opção de determinadas ideias e formas de estar em função de outras. Ninguém dúvida que o futebol, na ideia de Mourinho, é diferente do futebol na ideia de Guardiola. Nem seria preciso passar para o campo, para a aplicabilidade, para os intérpretes ou para o treino para o dizer. As escolhas dos comportamentos com e sem bola fazem-se, numa primeira instância, através dessa ideia de jogo. Essa ideia habita, consciente ou inconscientemente na cabeça de cada treinador. É mutável porque todos vemos futebol, todos pensamos o futebol, todos mudamos (mesmo que só) a um nível mais micro algumas das nossas ideia sobre o jogo. Importante é definir que numa primeira fase surge a ideia: antes do clube, antes dos jogadores, a ideia vive já na cabeça de um treinador antes deste sequer estar empregado num clube.

Posteriormente, surge a concepção de jogo. Tal como referi, a ideia é prévia à operacionalização, mas para operacionalizar a concepção tem já de estar presente. A ideia pode ser alterada em alguns níveis pelos constrangimentos situacionais do contexto em questão. Como procurar ter posse esmagadora se o adversário é muito mais forte tecnicamente que eu? Como defender alto se os meus defesas são lentos e o guarda-redes não sai da baliza? Como procurar a vertigem nas transições se culturalmente, os sócios do meu clube gostam que a equipa tenha bola e remeta o adversário para o seu meio-campo? A concepção emerge da ideia de jogo, não sendo a ideia na sua totalidade. Aproveita-se das suas bases, mescla-se com a componente contextual e transforma-se em concepção. A concepção é o que se operacionaliza, são os princípios que norteiam os objectivos do que se deve passar no treino durante a semana e está sujeita às características dos jogadores e ao pano de fundo cultural do clube.

Finalmente, falemos do chavão que ganhou força nos últimos anos, e que de tão banhado na corriqueirice do jornalismo desportivo quase que perdeu o sentido: o modelo de jogo. Concebe-se o modelo de jogo como o produto final, aquilo que nós, enquanto meros observadores externos do fenómeno, temos oportunidade de ver. Tem necessariamente uma relação umbilical com os anteriores, e presume-se que a qualidade do processo de treino o aproxime da concepção de jogo. O modelo nasce do que falei anteriormente, mas está sujeito a um conjunto de variáveis incontáveis, porque é o que é meramente observável. Caracteriza-se por uma série de regularidades e padrões intencionais do jogar que são visíveis e identificáveis por alguém que pode perfeitamente não conhecer o treinador, a sua concepção, ou mesmo a sua forma de operacionalizar.

Como é fácil de perceber, ideia de jogo, concepção e modelo, não são de todo a mesma coisa. Grassam confusões conceptuais entre conversas e entre a imprensa especializada, mas importa estabelecer as devidas diferenças, para quem gosta de falar de futebol... com pés e cabeça.