terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Progredir, passo a passo

Dentro da realidade do treino existem várias vertentes passíveis de serem moldadas para se adaptarem às mais diversas intenções. A complexidade crescente e consequente progressão de determinado exercício é das mais interessantes pelos benefícios que delas podem advir.

Certo dia, na companhia de um dos colaboradores deste blog, alguém com quem trabalhávamos disse: "Nunca repitam o mesmo exercício. Todos os dias, quero novos exercícios." A afirmação deixou-nos apreensivos. Como é que poderíamos trabalhar um determinado estilo de jogo e criar uma identidade dentro da nossa equipa sem repetir exercícios? Aceitando que a repetição sistemática para além do "sumo" que certo exercício pode oferecer é prejudicial, essa repetição, quando bem doseada e dentro de um limite que favoreça um binómio de dificuldade\progressão, é fundamental. Seja na formação de uma ideia de jogo dentro da própria equipa, seja na interiorização de conceitos que, sem ela, se perderiam num curto espaço de tempo.

Contudo, é aprazível refletir sobre o tema. Apesar de não concordar com a peremptoriedade da afirmação, são compreensíveis as suas origens. Estímulos diferentes provocam novas situações que permitem a criação de novas soluções. E se queremos formar jogadores que se adaptem conforme o desenrolar o jogo, essa variabilidade é algo que não podemos descurar. Mesmo assim, pensando em estruturas iguais é possível obter resultados distintos, isto porque os incentivos necessários para evoluir baseiam-se, também, na progressão de conceitos de forma gradual e constante. E neste sentido é possível enquadrar exercícios de estruturas iguais e suas devidas progressões (um bom exercício em Novembro pode já não o ser em Fevereiro e o inverso também pode ser verdadeiro, porque tudo depende do momento da equipa e da sua adaptação perante as ideias que se tentam adquirir).

Seguindo esse raciocínio, o mesmo exercício-base, com ajustes graduais (progressão), permite a continuação de uma implantação coerente de ideias, variando os estímulos e conferindo ao mesmo tempo uma dificuldade ajustada ao momento e compreensão da equipa (complexidade). Ao contrário de tentar criar constantemente novos exercícios, interessa sim moldar os que se tenham provado eficazes, que respeitem e estimulem as ideias pretendidas, de acordo com o estado de complexidade que determinada equipa consegue resolver. Seja através da redução do espaço de execução, de novas regras que dificultem a obtenção dos objetivos, ou apenas objetivos diferentes mas mais exigentes. A validade de um exercício terá sempre que ser analisada por aquilo que objetivamente obtém, diariamente, e não por idealizações pré-concebidas.

Dentro deste pensamento importa também considerar a compreensão e o à-vontade do jogador. Estar constantemente a introduzir novos exercícios torna-se desconfortável e ineficaz pelo período de adaptação que tem necessariamente de existir até haver uma confiança e naturalidade perante os mesmos. Daí que para o contrariar é preciso inovar dentro de situações conhecidas e só dar o próximo passo (novos exercícios) quando realmente for necessário. Mudar por mudar nunca foi nem nunca será boa política.

Uma tangente com fulcral importância no tema poderia aqui também ser referida (a necessidade de exercícios com resoluções "abertas"), mas ficará para outro dia. Importa ter a ideia de que se a repetição é fundamental na aquisição, a evolução que se pretende terá obrigatoriamente que lhe ser associada. Evitar sobrecarregar os jogadores com situações e problemas desnecessáriaos. O caminho para o conseguir está no espaço que podemos e devemos conceder à mutação da nossa operacionalização. Sempre numa progressão constante, não necessariamente linear mas devidamente sustentada.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Ancelotti e Jesus: o mérito das ideias

Mesmo dentro de toda a inutilidade que diariamente enche os jornais desportivos, por vezes é possível encontrar pequenos tesouros que nos mostram aquilo que realmente importa. Pena que quem realmente sabe não tenha mais tempo de antena.

Ancelotti



"O importante é ter haver uma boa relação entre treinador e jogadores, mostrar aquilo em que acreditas e conseguir convencer os jogadores do mérito das tuas ideias. Nunca é bom quando se impõem coisas aos jogadores. É importante que o grupo acredite no que o treinador faz e ter a certeza que tal é aceite por todos."


Descontando os já habituais erros gramaticais, o sumo das declarações de Ancelotti revelam o bom-senso e inteligência a que o italiano já nos habituou. Toca num tema que já foi aqui abordado e que nunca é de mais reiterar: a sedução através da qualidade das ideias como fator determinante para conquistar a confiança do grupo e, por consequência, chegar mais perto do sucesso. O tempo do "mandar fazer" já passou e com a crescente consciencialização dos jogadores, mais será exigido dos treinadores para justificarem as suas opções aos olhos de quem lideram. Um paradigma que beneficia todos os que nele se encontram.

Jorge Jesus


"Primeiro tens que olhar para o jogador não só do ponto de vista da qualidade técnica, mas também a componente física: será que este jogador tem as condições físicas para desempenhar esta função? A partir daí vais para a técnica e para a tática, que tens de lhe ensinar. É preciso ter em conta estas três vertentes: física, técnica e táctica. Agora já há muitos treinadores a tentarem fazer o que eu fiz, mas é preciso mais do que meter um jogador a jogar numa posição, isso é curto, tens de ver se o jogador tem condições para o fazer. E tudo começa no físico. Um jogador que se transformou completamente, de um ala para um médio organizador, foi o Enzo Pérez. É o mais difícil, porque é preciso fazer com que ele acredite que pode fazer essa posição. O Fábio Coentrão passar de extremo a lateral, não é uma transformação tão radical. O Enzo e o Matic, que era "10" e passou a "6", são os jogadores que eu tirei da sua posição para encaixar na ideia que tinha de jogo. Mas isto só se faz se o jogador acreditar que é capaz: se ele não acreditar, nada feito". 

As declarações de Jesus são, por norma, uma delícia de se "ler". Explicitamente ou entre-linhas, o amadorense proporciona sempre um vislumbre daquilo que é a sua lógica de trabalho. Apesar de num registo mais individual, Jesus bate na mesma tecla: o jogador só faz o que se pretende se acreditar nas ideias do treinador, se for seduzido a tal e não forçado. Nunca foi tão importante como agora saber persuadir para transmitir informação. Jesus pode não ser um ás da língua portuguesa mas no que interessa, na interação no campo e no treino, prova ter valências mais que suficientes para convencer e transformar mentalidades. 

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Um final antecipado


Chegou ao fim a estadia de Mourinho no Chelsea. Previsível? Sim. Os resultados, as exibições, as constantes polémicas e as bocas em praça pública antecipavam, mais cedo ou mais tarde, este desfecho. Foi tudo mau demais para ser verdade.

A situação com Hazard exemplificava o atrito (há muito?) existente. Desde as declarações discordantes na imprensa entre os dois, ao momento de frustração do belga no jogo com o Porto, à lide bizarra da sua lesão no último jogo. Mas no meio de tudo, havia algo tangível que pouco destaque mereceu: notava-se, aqui e ali, que os jogadores não se sentiam confortáveis com a sua forma de jogar, especialmente os mais talentosos. Hazard chegou a afirma-lo publicamente, numa entrevista que agora me escapa.

A situação faz-me lembrar um post de Carlos Carvalhal no seu blog que, parafraseando, dizia: "Quando entras para um novo clube, tudo importa. Tens de ter em conta a mentalidade do clube, as suas ambições, a personalidade dos jogadores, a cultura dos adeptos, até a sua religião! Tudo para que quando crias uma identidade, essa seja compatível com o contexto em que te encontras."

De certa forma, esse é o lado do problema que mais importa referir aqui. Não interessa se tens boas ideias quando elas não encontram concordância do outro lado. Podes preferir jogar de determinada maneira mas se os teus jogadores não estiverem a bordo contigo, tudo se perde. E desse prisma, José Mourinho não tinha os jogadores do seu lado, algo que se torna particularmente surpreendente quando falamos de um treinador amplamente elogiado no passado pela capacidade de exponenciar, a níveis incríveis, a coesão do seu grupo.

Existe algo inegável: os jogadores são e serão, sempre, o melhor barómetro. São eles que jogam, que colocam em campo as ideias e são eles que, no final, ganham ou perdem jogos. Se tens o apoio e a dedicação deles ficas muito mais próximo do sucesso. Se não, nem todos os elogios da imprensa, dos adeptos, da direção e dos teus colegas importam porque no fim o fracasso será anunciado.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Balanço de Final de Ano

1. O Sporting, na novela mais quente do Verão, trocou Marco Silva por Jorge Jesus e, à passagem da 13ª jornada, está na liderança isolada do campeonato, com dois pontos de vantagem sobre o Porto e sete sobre o Benfica. Além disso, comparativamente com o mesmo período da época passada, o Sporting tem menos um golo marcado, mas tem mais onze pontos, mais cinco vitórias, menos quatro empates, menos seis golos sofridos, ainda não perdeu…Sinal de que tudo vai bem no reino do leão? Com certeza que não. Não partilhando da opinião veiculada sobretudo por adeptos dos rivais de que este Sporting joga pouco futebol – defensivamente, a diferença é do dia para a noite, e mesmo em termos ofensivos, já se veem movimentações e intenções dos jogadores que não se viam com Marco Silva e não se veem nem no Porto nem no Benfica – parece-me haver um défice claro de qualidade individual, o que retarda necessariamente o crescimento da equipa enquanto coletivo e pode ajudar a explicar algumas vitórias tangenciais, que podiam perfeitamente ter resultado em empates. O modelo de jogo de Jorge Jesus é complexo e exigente a todos os níveis e, para estar em Dezembro a jogar já perto do seu potencial máximo, eram precisos executantes com uma qualidade técnica e de decisão que não está ao alcance de um João Pereira, de um Naldo, de um Adrien, de um Teo ou de um Slimani (só aqui já está meia equipa habitualmente titular). Ewerton, André Martins, Aquilani, Carrillo, Matheus Pereira e Montero, esses sim têm essa capacidade, mas, por uma razão ou por outra, não têm estado entre as primeiras opções de Jesus, pelo que o futebol do Sporting tem tardado em dar o salto qualitativo. Resumindo: a meu ver, apesar dos indicadores positivos, o Sporting será tanto mais candidato ao título quanto mais vezes incluir no onze inicial os jogadores acima referidos. Noutro âmbito, a chegada do fantástico Bryan Ruiz constitui a melhor notícia do defeso em Portugal, talvez a par da contratação de Mitroglou pelo Benfica.

2. Há quem seja da opinião que Julen Lopetegui é um treinador com uma boa ideia de jogo, mas que não sabe bem como operacionalizá-la, nem quais os melhores jogadores para a executar. Acho precisamente o contrário: o treinador espanhol sabe pôr uma equipa a jogar como quer e também sabe escolher os executantes mais adequados para o seu modelo de jogo, mas boas ideias é tudo o que não tem, pelo menos a nível ofensivo. É tudo rígido, padronizado e previsível, mas estou plenamente convencido de que Lopetegui quer e sempre quis que o Porto jogasse como joga: sem bola, uma reação rápida e agressiva à perda, com um meio-campo essencialmente de suor e rigor tático; com bola, uma circulação em “U”, sempre por fora e com largura máxima em todos os momentos, para que depois os laterais e os extremos desequilibrem ofensivamente. Alguma vez o Porto de Lopetegui foi ou pretendeu ser algo diferente disto? Não me parece. E é por essa razão que o Porto não se consegue assumir definitivamente como o candidato mais forte ao título, como era, de resto, sua obrigação: uma ideia de jogo sem qualidade, que não potencie toda a qualidade individual existente, mesmo que esteja superiormente operacionalizada, não deixa de ser uma ideia de jogo sem qualidade.

3. No Benfica, Luís Filipe Vieira, que se não está com a corda ao pescoço em termos financeiros, disfarça muito mal, decidiu abrandar o investimento massivo no futebol e abdicou do bicampeão Jorge Jesus (que, para grande transtorno seu, foi parar ao outro lado da Segunda Circular…) para ir buscar o mais económico Rui Vitória. Rui Vitória é um treinador que subiu na carreira a pulso e que tem conseguido resultados interessantes, sobretudo no problemático Vitória de Guimarães, mas o futebol pouco elaborado das suas equipas não augurava nada de bom e estes primeiros meses à frente do Benfica apenas têm confirmado essas suspeitas. O que se vê é um treinador de equipa pequena a tentar, sem sucesso, operacionalizar um modelo de equipa grande e, seja qual for a opção tomada daqui para a frente, as perspetivas não são animadoras: se quiser trabalhar o modelo em que acredita, o mesmo não vai ser suficiente, porque a concorrência está forte e colocou a fasquia alta; se quiser trabalhar um modelo em que não acredita, não tem competência para tal, pelo que os resultados dificilmente serão positivos. Prevêem-se tempos difíceis na Luz, ainda para mais sem um plantel extraordinário em termos individuais…No entanto, além dos consagrados Júlio César, Gaitán, Jonas e Mitroglou, há um valor seguro para o futuro: Nélson Semedo. Quanto aos hipervalorizados Renato Sanches e sobretudo Gonçalo Guedes…Bem, vamos esperar para ver.

4. Em Inglaterra, a Premier League, ao contrário do que se apregoa, é um campeonato competitivo, mas nivelado por baixo, como se comprova pelos constantes insucessos das equipas inglesas nas competições europeias: o Manchester City tem todas as condições para dominar o campeonato, mas joga abaixo do seu potencial, porque não tem uma liderança técnica capaz de elevar a equipa para um patamar superior (não está em causa a competência de Pellegrini, que é um treinador que aprecio); Van Gaal está ultrapassado e já não parece ter capacidade para operacionalizar a 100% a sua interessante ideia de jogo; Mourinho estagnou completamente e, neste momento, é um treinador que não se diferencia dos demais e que tanto pode ser campeão num ano, como no ano seguinte andar pelo meio da tabela; Wenger continua a repetir os mesmos erros, ano após ano, e o Arsenal estava melhor servido com uma equipa técnica mais moderna e bem preparada. O Tottenham de Pochettino e o Everton de Roberto Martínez são equipas que procuram um “jogar” mais evoluído do que é habitual em terras de Sua Majestade, e a contratação de Klopp pelo Liverpool é uma ótima notícia para a evolução do futebol inglês, mas não é suficiente, nem de perto nem de longe. É necessário que as equipas com maior poderio financeiro da Premier League contratem não só jogadores de grande qualidade, mas também treinadores que consigam rentabilizar ao máximo toda a qualidade individual existente, para que as restantes equipas também sintam necessidade de evoluir e subir a fasquia, contratando jogadores de qualidade e sobretudo treinadores com ideias e métodos de trabalho diferentes. Por exemplo, só num campeonato nivelado por baixo e em que as equipas grandes estejam mais próximas em qualidade das equipas mais pequenas do que o contrário, é que é possível que equipas com modelos de jogo rudimentares como o Leicester e o Crystal Palace estejam, em Dezembro, tão acima na tabela classificativa. O facto de o melhor treinador britânico em atividade ser provavelmente Alan Pardew também devia ser um indicador, no mínimo, preocupante. A Premier League tem evoluído muito na última década e o conhecimento técnico-tático existente é agora maior do que nunca, mas, no meu entender, ainda tem um longo caminho a percorrer até poder justificar o epíteto de “melhor liga do mundo”. Talvez a mais que anunciada chegada de Guardiola seja a pedrada no charco de que o futebol inglês necessita.

5. Em Espanha, não há muito a destacar: Florentino Pérez, não contente com a decisão absurda de afastar Ancelotti do comando técnico do Real Madrid, resolveu animar ainda mais as coisas e entregou aquele que é, provavelmente, o melhor plantel do mundo a…Rafa Benítez. Sim, aconteceu mesmo. No momento em que escrevo estas linhas, a vantagem pontual do Barcelona já é de cinco pontos, por isso ficarei muito surpreendido se Messi, Neymar, Iniesta & Cia não revalidarem o título de campeões espanhóis em Maio, desta feita sem o lendário Xavi Hernández. O Barcelona de Luis Enrique é, nos dias que correm, uma equipa super vertical, que pratica um futebol direto e de procura constante da baliza contrária, e que, por isso, já não consegue controlar tão bem os ritmos de jogo e o adversário, mas a qualidade individual assombrosa e a falta de oposição interna deverão chegar para vencer tranquilamente o título (porém, muita atenção ao Atlético de Madrid!). Destaque para o aparecimento na equipa principal do jovem Sergi Roberto, que agarrou a oportunidade que Luis Enrique foi obrigado a dar-lhe (saída de Xavi, lesão prolongada de Rafinha, problemas físicos de Iniesta, etc) e tem agora o caminho aberto para se afirmar como um dos grandes médios espanhóis do futuro.

6. A Serie A, um campeonato caído em desgraça e que bem precisa de novos estímulos, deu a conhecer ao mundo dois treinadores de enorme valor: Maurizio Sarri e Paulo Sousa, este bem conhecido do público português. A Fiorentina de Paulo Sousa e sobretudo o Nápoles de Sarri são equipas que procuram controlar o jogo através da posse de bola e da pressão alta desde o primeiro minuto e que não têm problemas em jogar com três e quatro médios de características ofensivas ao mesmo tempo, o que constitui claramente um sinal de que o futebol italiano, se houver um esforço coletivo dos clubes, pode perfeitamente reinventar-se e reerguer-se. Infelizmente, Juventus, Inter e Milan, os clubes que, pelo seu peso histórico, mais possibilidades tinham de comandar esta mudança de mentalidades, preferiam manter ou ir buscar treinadores que pensam e trabalham como 90% dos treinadores mundiais, por isso o campeonato perdeu algum do interesse que poderia ter. No entanto, já que Rudi García da Roma se revelou uma desilusão, quero acreditar que Sarri e Paulo Sousa estão a lançar algumas bases importantes para o futuro a médio prazo do Calcio.

7. Na Bundesliga, o Dortmund contratou um dos treinadores mais talentosos da atualidade – Thomas Tuchel – e mantém um plantel repleto de jogadores que tinham lugar em quase todos os grandes clubes europeus, com Hummels, Gündogan, Kagawa, Mkhitaryan, Reus e Aubameyang à cabeça, mais o muito promissor Weigl, mas Guardiola é mesmo de outro planeta e o Bayern chega ao dobrar do campeonato com 43 pontos em 48 possíveis e cinco pontos de vantagem sobre o Dortmund. Além dos resultados esmagadores, o genial treinador catalão continua a inovar taticamente como nenhum outro e a dar lições em todos os jogos, embora muitos nem sequer se apercebam disso: recordo que o Bayern, a jogar habitualmente num 2-3-5 (!) com Boateng como único jogador de características defensivas e Robben, Müller, Douglas Costa, Coman e Lewandowski na frente, mesmo que os adversários concretizassem todos os remates enquadrados com a baliza de Neuer, continuaria a liderar a Bundesliga. Incrível! Já para não falar da facilidade com que o Bayern troca de sistema de jogo para jogo ou mesmo durante o jogo, alterando entre 4-3-3, 4-4-2, 3-5-2, 3-4-3 e 2-3-5 como se nada fosse, e do rendimento estratosférico de jogadores como Alaba, Douglas Costa, Müller, Lewandowski ou mesmo Boateng. Luis Enrique merece o prémio de melhor treinador de 2015, pelos títulos que conquistou, mas não tenho dúvidas nenhumas de que o treinador referência foi, para não variar, Pep Guardiola.

8. Sobre a Bola de Ouro, cujos resultados serão conhecidos no dia 11 de Janeiro, apenas duas notas rápidas, porque há algumas pessoas com problemas de memória. Primeiro, para os que são da opinião que é um escândalo Luis Suárez não estar no lugar de Cristiano Ronaldo nos três finalistas, convém lembrar que o avançado uruguaio só em Abril/Maio é que começou a render a bom nível e a contribuir com alguma qualidade para a manobra ofensiva do Barcelona para além dos golos…Até lá, foi quase sempre um corpo estranho na equipa e sentiu grandes dificuldades de adaptação, por isso a escolha de Ronaldo é mais do que compreensível, pese o final de época algo apagado. Segundo, Neymar teve um ano incrível, não só na finalização, mas também na criação, e assumiu-se definitivamente como jogador de eleição, mas só merece a Bola de Ouro se se esquecer tudo o que Messi fez até se lesionar em Setembro. É bom não esquecer que Messi rubricou possivelmente a melhor época da carreira – o que quer dizer muito, tendo em conta o nível elevadíssimo que atingiu com Guardiola – com exibições quase sobre-humanas, em que foi o principal motor criativo de um Barcelona que ganhou tudo o que havia para ganhar. Mas a Bola de Ouro sempre foi isto: aconteça o que acontecer, para a opinião pública, o que interessa é como se acaba o ano. Posto isto, Messi, Neymar e Ronaldo seriam as minhas escolhas para a Bola de Ouro, por esta ordem.

O "Com Pés e Cabeça" aproveita para desejar a todos os leitores um Feliz Natal e um Bom Ano Novo!

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Mourinho: Regresso ao passado?

Dizia Mourinho, há 10 anos atrás: 

"Assumir sempre os jogos, não se descaracterizar perante os adversários, é uma característica das minhas equipas. Já o era quando treinava o União de Leiria, que era uma equipa que não tinha essa obrigação. Para mim, o mais importante é sempre a nossa própria equipa e não o adversário"

Esta foi a filosofia que consagrou a carreira do português, que cativou e impulsionou uma nova geração de treinadores. Entre várias outras ideias, com o conceito de assumir o jogo em todos os seus aspetos (com as particularidades que daí advém) conseguiu proporcionar um salto qualitativo gigante em quase todas as equipas onde treinou.

No entanto, o foco parece ter mudado em anos recentes. Se para melhor ou pior, depende sempre do contexto em que determinada equipa se encontra. Existe um argumento a ser feito que, cada vez mais, as equipas de Mourinho apresentam um estilo de jogo baseado no adversário.

Mourinho sempre demonstrou ser um dedicado estratega. Ele, mais consistentemente que ninguém, conseguia apetrechar as suas equipas de argumentos que contrariassem as qualidades dos adversários e aproveitassem os seus defeitos.

Tudo se relaciona. Desde a forma como se ataca que condiciona a transição defensiva (que por sua vez condiciona a forma como se defende, etc), à simples substituição de um jogador por outro. Mais ou menos subtis, as variações, seja de que natureza forem, estão lá. Como tal, é erróneo esperar que um maior ênfase na vertente estratégica não afete a matriz de identidade de uma equipa, por mais consciente e competente que a mesma seja.

Existe um equilíbrio ideal a ser alcançado entre estratégia e identidade própria e esse equilíbrio parece ter vindo a desaparecer em Mourinho com o passar do anos. Acompanhar o Chelsea tem sido acompanhar uma equipa sem conseguir impor domínio seja em que campo for. Sem ter uma identidade bem vincada que obrigue o adversário a adaptar-se às adversidades impostas. O domínio coletivo outrora massacrante e asfixiante foi substituído por lampejos de inspiração individual, onde a equipa deixou de atuar como um todo segundo uma ideia global.

É por isso refrescante ouvir os seus comentários na antevisão do jogo de hoje com o FC Porto: 

"Mais do que falar do F. C. Porto tenho de me preocupar com a minha equipa, porque estamos numa fase em que a preocupação é o que nós fazemos e não é o que faz o adversário. Em condições normais estaria mais preocupado com o F. C. Porto do que aquilo que estou. Estou muito mais preocupado com a minha equipa. Muito honestamente nunca me preocupei tão pouco com os adversários como agora. Porque agora preocupo-me com a minha equipa".

Será interessante ver o desenrolar da história, não só no jogo de hoje mas no futuro a curto-prazo do clube inglês. Os conceitos que o mesmo há 10 anos atrás defendia e elevavam as suas equipas continuam a diferenciar os bons dos melhores. Revisitar o passado dará àquele que tanto conquistou a oportunidade de mais uma vez se diferenciar dos restantes no que mais importa: o jogo jogado.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Intencionalmente intuitivo

Poucas coisas darão mais prazer a um treinador do que ver os seus pupilos, em jogo, a empregar as suas ideias. Prazer e resultados, se as mesmas forem boas. Mas qual a melhor maneira de as transmitir?

Uma boa ideia por si só pouco alcança. Por outro lado, até a pior ideia pode cativar muitos se for entregue de forma eficaz. É fundamental saber como comunicar, quando, onde e porquê. Com mais ou menos vocabulário. Com mais ou menos intensidade, sempre dependendo do contexto da situação.

No entanto, nenhuma ideia se fixa mais intensamente do que aquelas que nós próprios descobrimos. Quando somos nós a arranjar soluções e não o colega ou o treinador, expande-se a vontade e a capacidade de criar e adaptar.

Numa realidade altamente complexa e imprevisível como o futebol, tal qualidade torna-se inestimável. Interessa pois a sua constante estimulação, para que perante diferentes situações as respostas seja variáveis (perante certa ideia de jogo) e não completamente padronizadas.

Mas foquemo-nos na transmissão de informação de emissor para recetor. As ideias da mente do treinador para as atitudes do jogador, através de uma aprendizagem... intuitiva.

Não é de descurar a fase de maturação do ouvinte quando falamos de comunicação, pela maior ou menor facilidade em compreender determinadas terminologias e conceitos. E, dependendo da personalidade, determinado jogador reagirá melhor ou pior perante modelos similares de comunicação. Mas se a mesma for feita de forma "indireta", germinando-se intencionalmente na mente do jogador sem que o treinador o force diretamente a tal... é mais de meio caminho andado para que se alcance o objetivo.

Voltando a uma das premissas iniciais, uma boa ideia pobremente transmitida não cria interesse. Sem interesse não existe continuidade. Pode acontecer por falta de capacidade do emissor ou por má-interpretação ou falta de vontade do recetor. Independentemente, o resultado é o mesmo.

O transfer para o treino é desde logo óbvio. É preciso saber construir exercícios para induzir comportamentos. Persuadir através de situações de jogo em treino para provocar o surgimento da ideia. Se determinado exercício conseguir obter do jogador o pretendido, com menor forcing do treinador, então o resultado será uma adoção mais natural do mesmo, mais permanente e mais eficaz. O jogador descobre por si próprio o caminho que deve seguir, sem precisar de procurar fontes exteriores para o fazer. Torna-se mais consciente, mais capaz e isso beneficia o todo.

É preocupante continuar a ver treinadores, especialmente em escalões mais jovens onde a capacidade de compreensão do jogo é menor, continuarem a apostar numa transmissão de ideias completamente unidimensional. Vocacionada, acima de tudo, para uma aquisição unilateral de conhecimento. Sem liberdade para os jogadores o descobrirem, ramificando-se a falta de autonomia e responsabilidade.

Induzir atitudes é bem mais complicado que simplesmente "mandar fazer", mas compensa pelo seu efeito duradouro. Por muita força que a lógica argumentativa possa ter, mesmo perante a vontade de aprender, não se equipara a uma experiência rica e positiva de auto-descoberta. O ser humano foi e sempre será regido por emoções. Cabe a quem lidera a tarefa de orientar essas emoções, dando-lhes uma direção que beneficie quem os rodeia.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Uma nova realidade: Benfica


Com três jogos disputados, emerge no Benfica uma nova realidade, obrigatoriamente ditada pela mudança de equipa técnica e alterações na composição do plantel. Três partidas onde já foi possível identificar pormenores positivos e negativos, que para já vão moldando a nova face da águia.

As comparações com o Benfica de Jesus são inevitáveis. E desde logo uma premissa óbvia: a permanência do 4-4-2 como sistema de base. Mas para além disso, o que mais foi notório neste começo?

Uma intenção de circulação de bola menos vertical e mais horizontal, não necessariamente mais lenta mas a privilegiar a variação do centro de jogo até espaços se abrirem para progressão. Aquando da presença de jogadores mais maduros, construção a um, dois toques. Procura de atrair dum lado para explorar o outro;

Com bola, o desvio para o interior dos médios-ala. O incentivo a posicionar mais elementos dentro do miolo adversário (quando em posse no centro), libertando a responsabilidade de largura para os laterais;

Quando com espaço, o interesse em transitar para o meio-campo ofensivo solicitando o passe vertical nos avançados, que, após aproximação, libertam de primeira em quem está de frente para o jogo (médios-centro);

Ocupação pouco racional dos espaços por parte do quarteto de meio-campo quando sem bola. Insuficiência de coberturas pela dupla de centro-campistas, especialmente quando o foco está perto da linha lateral, proporciona demasiados espaços livres em zonas fundamentais. O "6" a acompanhar, individualmente, entradas diagonais e\ou verticais de adversários no último terço, despovoando o centro do meio-campo sem haver compensação por parte tanto pelo 2º avançado como pelos alas;

Alguns bons momentos de (re)criação com bola em zonas avançadas, destacando-se claramente Pizzi e Jonas como referências;

Carcela a deixar água na boca pela qualidade e velocidade de execução;

Ederson assusta com bola nos pés;

Jonathan Rodriguez a lembrar Chicharito. Entrega e disponibilidade apesar da pouca cultura de jogo, algo trapalhão com bola, constantemente a procurar a profundidade e a atacar zonas de finalização;

Nélson Semedo e Gonçalo Guedes a reclamarem mais minutos pela qualidade que demonstram.

No entanto, a pré-época é madrasta para análises precoces. Pelo pouco tempo de trabalho para implementar dinâmicas, pela influência de rotinas anteriores, pelo baixo nível de intensidade aferente aos jogos disputados. Apenas com uma maior amostra será realmente possível reconhecer padrões que afiram a qualidade dos processos.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Assim se faz

Na ficha, fica o nome de Mayoral. Nas "sombras", mais uma pérola de criação a cargo de (mais uma) jovem armada espanhola.



Nomes a reter, para além dos óbvios: Jesús Vallejo e Mikel Merino.

domingo, 19 de julho de 2015

Transição Defensiva: Física ou Mental

Porque para evoluir é preciso compreender, hoje analisamos o momento de Transição Defensiva. O que é, afinal, mais importante no momento imediatamente posterior à perda da bola? Uma boa capacidade física ou uma forte mudança cognitiva?


Enquadrando, falamos de um momento onde o equilíbrio se torna em desequilíbrio. Aquando da perda, a distensão espacial da equipa no momento ofensivo condena a um instantâneo encurtamento de espaços. A transferência de um estado dominante (com bola) para um estado de submissão (sem bola), origina alterações emocionais morosas de gerir, porque todos gostam de correr com bola, mas poucos gostam de correr sem ela.


Para propósitos conjecturais, assumamos que uma equipa que perca a bola se encontra desequilibrada do ponto de vista organizacional, extremando a resposta necessária da mesma e isolando o conceito. Sejam quais forem os princípios regentes do momento, importa preparar a velocidade de resposta para reagir à iminente ameaça. Entrando na questão que abriu o tema, numa boa resposta prevalece o físico ou do mental? Nenhum. E ambos. Nem a vertente física se sobrepõe à resposta cognitiva nem o contrário acontece. Ambas trabalham em conjunto e qualquer uma que se encontre em défice irá comprometer todo o processo. Seria o mesmo que perguntar: entre o coração e os pulmões, qual deles é o órgão mais importante? Nenhum e ambos, porque um sem o outro não faz sentido.


Acima de tudo, a pergunta está errada. Não interessa dar mais importância a determinada vertente se ambas andam de mãos dadas. Interessa sim considerar o momento como um todo e treinar dentro de parâmetros (físicos e táticos) válidos e coerentes. Treinar segundo determinado princípio implica uma resposta morfológica específica e de nada vale esse princípio se quem o executa não possui capacidade física ou cognitiva para o realizar. Operacionalizar partindo do princípio que um implicará, mais cedo ou mais tarde, o outro, é desinformação. A implementação de ideias está sempre, sempre, subjugada às valências naturais de cada jogador. Contextualizar essas valências, sejam elas cognitivas ou físicas, no nosso modelo é pender a balança a nosso favor. Não o fazer, desvalorizando uma ou outra, é mais um caminho em direção ao insucesso.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Notas sobre a noite histórica no Porto

- Que dizer do Porto que entrou ontem em campo? Talvez "avassalador" seja o melhor termo. Empurrados pelo ambiente infernal que se viveu no Dragão, a equipa portuguesa entrou a todo o gás no jogo e teve 10 minutos em que viveu um autêntico sonho. Dois golos (e uma expulsão que ficou por dar a Neuer, no lance do penalti) e uma sensação muito real de que estava a ser feita história;


- Defensivamente, foi um Porto a roçar a perfeição. A organização, as coberturas bem feitas, a entreajuda constante, a fluidez da movimentação colectiva, tudo isto parecia estar a ser representado ali em campo da mesma forma que está representado nos livros. Lopetegui demonstrou conhecer realmente bem Guardiola, e a forma como defendeu foi aquilo que mais feriu o Bayern. Não procurou retirar-lhes a bola nem a iniciativa. Procurou, isso sim, retirar-lhes a progressão. Obrigá-los a circular a bola de forma inócua, na maior parte das vezes (algo que Guardiola tanto detesta). Lopetegui sabe que o Bayern não concebe nunca bater a bola longa na frente, sem pelo menos tentar sair a jogar de forma apoiada. E valeu-se desse trunfo para brindar Guardiola com uma lição táctica: deu espaço aos centrais (linhas de passe seguras para a saída de bola do Bayern) para terem a bola no seu meio-campo, e definiu claramente uma marcação HxH de Jackson Martínez a Xabi Alonso, que impediu o espanhol de pegar no jogo, rodar e organizar. Os alas encostavam nos laterais do Bayern, e Herrera complementava as movimentações de Jackson neste momento do jogo (embora tenha demonstrado, aqui e ali, algumas limitações na correcta ocupação dos espaços). Os restantes jogadores (pelo menos enquanto houve pulmão para isso) defendiam à zona, mas sempre com grande propensão para procurarem jogar na antecipação. Foram várias as bolas que o Porto recuperou desta forma, e esta forma de defender fez com que os centrais do Bayern (Dante e Boateng, mas sobretudo Dante) fossem obrigados a assumir a construção e a arriscarem mais no passe, tendo que recorrer a passes mais complicados e mais longos. É por aí que se começa a explicar a exibição desinspirada do Bayern: pela forma como nunca conseguiram sair com qualidade, por nenhum dos 3 corredores. Mérito total para o Porto, e, além dos aspectos já mencionados, para a forma como a equipa (um pouco à imagem do que tem feito nos jogos grandes durante a época) soube identificar muito bem os timings de pressão, e soube criar o erro no adversário. O enorme trabalho defensivo de Quaresma no segundo golo é um exemplo claro disso, mas existem muitos mais pequenos exemplos ao longo de todo o jogo. Aquilo que o Porto fez ontem, defensivamente, foi dar uma aula de como defender bem. Muito, muito bem;

- Bayern muito abaixo daquilo que pode e deve fazer. Por mérito do Porto, por algumas baixas por lesão que são essenciais dentro do modelo de jogo (Robben é o caso mais flagrante, mas Alaba também é importantíssimo neste Bayern, e é um dos jogadores que confere à equipa uma maior versatilidade e flexibilidade ofensiva, além de toda a qualidade individual que possui) e porque nunca pareceu conseguir encontrar uma boa solução para contornar os problemas criados pela pressão organizada do Porto. Tiveram alguns períodos em que conseguiram sacudir um pouco essa pressão e subir de forma apoiada no terreno, mas nunca controlaram e dominaram o jogo, como gostam de fazer e como conseguem fazer na maioria das vezes. A complexidade do modelo de jogo é notória, e ao vivo salta ainda mais à vista. Incrível a facilidade do Bayern em criar linhas de passe no corredor central e entre linhas. Muito boa a forma como conseguem descobrir soluções alternativas, quando as mais óbvias não resultam. Quando conseguiam instalar-se minimamente no meio campo do Porto, criavam perigo, através da mobilidade de todos os jogadores e da agressividade deles sobre os espaços que a organização defensiva do Porto ia concedendo. Dificílimo de os travar neste momento do jogo. O que apenas confere ainda mais mérito ao trabalho defensivo da equipa de Lopetegui ontem;

- Foi um jogo que exigiu o máximo da qualidade individual dos jogadores. O segundo golo do Porto é um bom exemplo disso. Dante falha ligeiramente a recepção...perda de bola, e golo do Porto. Intensidade máxima. São estes jogos que distinguem os bons dos grandes jogadores. Nesse sentido, do lado do Bayern, só Thiago e Lewandowski estiveram à altura daquilo que sabem fazer. O brasileiro foi sempre o mais inconformado, mas pouco mais conseguiu fazer, além do golo. Já o polaco lutou muito e ainda ganhou várias bolas na frente, mas esteve sempre muito desacompanhado (e como é raro dizer-se isto de uma equipa de Guardiola!). Muller jogou sempre a um ritmo abaixo daquele que era obrigatório nesta partida, e Gotze passou totalmente ao lado do jogo;

- Do lado do Porto, enormes exibições de vários jogadores. Danilo e Alex Sandro estiveram irrepreensíveis em termos defensivos, e fizeram o melhor que podiam fazer em termos ofensivos, dadas as condicionantes do jogo e a forma como o Porto jogou. Brahimi foi muito importante nos momentos em que o Porto queria sair para o ataque e precisava de resistir à reacção agressiva do Bayern à perda da bola. Fortíssimo a guardar a bola e a protegê-la dos adversários até encontrar uma linha de passe segura. Depois, Óliver e Jackson encheram o campo. O primeiro demorou a arrancar, mas depois começou a assumir o jogo, começou a ganhar confiança e espalhou magia, no meio de alguns dos melhores executantes do mundo. A simulação que inicia a melhor jogada do Porto em todo o jogo, aos 56 minutos, está apenas ao alcance de um génio, que vê as coisas mais à frente que todos os outros. Deliciosa. Quanto ao colombiano, é uma máquina, e começam a faltar os adjectivos para esta sua época. Sem jogar há cerca de um mês, entra em campo num jogo desta intensidade e desta magnitude, e faz uma exibição fenomenal. Foi sempre a referência do Porto para as saídas de bola mais longas, e raramente perdeu uma bola para Boateng ou Dante. Segura a bola como poucos avançados no mundo actualmente, e entrega quase sempre com muita qualidade. A capacidade ofensiva do Porto vive muito daquilo que Jackson faz. E ontem ele fez muito. E depois, o faro de golo. Letal na finalização. O 3º golo é um trabalho ao nível dos melhores do mundo. Recebe de forma orientada, contorna o melhor guarda-redes do mundo e finaliza com o seu pior pé. Um (cada vez mais) grande avançado;

- Finalmente, o destaque merecido para o melhor jogador em campo. Confesso: era fã do Quaresma dos seus primeiros anos de carreira. Um fantasista, um desequilibrador nato, um artista dos relvados. Perdeu muito do encanto para mim quando começou a exagerar no individualismo, quando começou a acreditar que podia resolver todos os problemas sozinho, quando começou a valorizar-se mais a si próprio do que à própria equipa. Ontem, no entanto, tive a confirmação de que esse Quaresma está a desaparecer, e que um novo Quaresma está a nascer. Um Quaresma que, finalmente, coloca toda a sua qualidade individual ao serviço do colectivo. Que não tem problemas em sacrificar-se pelo colectivo. Que não tem problemas em fazer do colectivo o maior protagonista (palavra que Lopetegui tanto aprecia). Este novo Quaresma correu kms ontem (e correu bem!), recuperou inúmeras bolas, criou o seu segundo golo através de um grande trabalho defensivo, praticamente retirou Bernat do jogo em termos ofensivos, deu-lhe cabo do juízo quando o espanhol o tentava travar, e mostrou aos 31 anos que nunca se é demasiado velho para se aprender e se evoluir. Hoje sim, merece todo o protagonismo de que ele sempre gostou.


O Porto está em vantagem ao intervalo, mas o mais difícil ainda está para vir. Será preciso manterem este nível, porque na Alemanha já não existirá factor casa ou factor surpresa, e o Bayern irá entrar em campo de orgulho ferido e para mostrar porque razão é unânime considerá-los como uma das melhores equipas da actualidade. Mais do que trabalhar o aspecto técnico-táctico, o segredo está em fazer os jogadores acreditarem que ainda nada está ganho, e que só um Porto de outro mundo, como o de ontem, conseguirá voltar a ser protagonista. Se a vontade for a mesma, se a atitude for a mesma, se a qualidade for a mesma...as meias-finais estarão logo ali ao alcance.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Agressividade, para que te quero

... para virtualmente nada, pelo menos no âmbito habitual do conceito. A agressividade é, 95% das vezes, entendida apenas como a intensidade com que um jogador enfrenta as disputas de bola. É tida em conta como algo extremamente positivo, merecedora até de ser aspecto diferenciador na escolha de quem joga. Quantas vezes não ouvimos o argumento: "ele tem que jogar porque é muito agressivo e vai a todas!". Quem joga a médio-defensivo por exemplo, não cumprindo este requisito, poucas oportunidades terá de jogar em equipas onde compita com um colega mais agressivo, mesmo apresentando outros argumentos.  É uma mentalidade que necessita urgentemente de ser alterada.

Vamos por partes. Consideremos uma tentativa de recuperação da bola. Existem vários fatores em jogo: zona do campo, equilíbrio da equipa, contexto numérico da situação, distancia das coberturas, colocação dos apoios em condução do portador. Mesmo que nem todos sejam ponderados de forma consciente, todos entram em equação, ditando o timing de entrada e abordagem ao desarme. Uma situação de inferioridade numérica requer uma abordagem diferente (mais contida) de uma situação de igualdade numérica. Um 3x2 onde o portador se encontra perto da linha lateral exige uma atitude diferenciada (colocação dos apoios a dar a linha) de um 3x2 onde o portador está no corredor central. A pressão a um dos centrais adversários perto da sua área com ou sem cobertura requer um comportamento diferente (tentativa de desarme vs orientação para fora). Um extremo canhoto a conduzir pelo flanco direito origina uma abordagem distinta (cobrir espaço interior) de que se fosse um destro. Basta pensar um pouco para concluir que em virtude de situações diferentes são necessárias soluções diferentes, o que por si só remete o índice de boas resoluções para a qualidade de decisão do jogador e não da agressividade em si. Ser agressivo é bom em determinados momentos mas a variedade de situações que surgem ao longo dos 90 minutos exige muito, muito mais que isso. Mais importante que ser agressivo é ser adaptativo. Está na altura de deixar de ver as coisas de forma simplista e reconhecer a complexidade do jogo.

Mas ser agressivo não tem (só) a ver com o ir a todas e entrar nos lances com uma atitude de vida ou de morte. Isso é apenas uma pequena fração do que realmente se passa no jogo. Ser agressivo é, acima de tudo, ser intenso na ocupação do espaço e rápido na tomada de decisão. De que vale ter um jogador que ganhe duelos individuais se metade das vezes não consegue reagir rápido o suficiente à mudança de contexto? Em poucos segundos, com uma perda de bola, um mau posicionamento de um colega ou um passe a romper a pressão, tudo pode mudar. Ser realmente agressivo é conseguir adotar o melhor comportamento, neste caso defensivo, para responder ao imprevisto, porque ser agressivo também é ser criativo.

Alterar o paradigma implica querer perceber o jogo para além do óbvio. Estar disposto a estudar as razões pelas quais o que acontece, acontece. Mas enquanto se continuar a exaltar jogadores por serem "agressivos" e não agressivos (no verdadeiro significado da palavra), pela emoção que dá vê-los mostrar em campo a sua garra, pouco mudará.

sábado, 4 de abril de 2015

Uma ambição desmedida: feedback

Ser treinador implica uma boa dose de auto-reflexão. Reflexão para perceber quando algo está errado, mesmo quando tudo parece bem. Quando o problema não está (só) no exterior mas mais perto do que o que seria esperado.

É perfeitamente válido que a ambição guie as nossas vidas. Mas como qualquer ideal, a ambição pode-nos levar por caminhos errados. Quando se quer muito, tende-se a cair no exagero. No treino existem vários exemplos e o excesso e não-filtragem do feedback é um deles. Não porque não caiba ao treinador corrigir os erros dos seus jogadores, mas sim porque o deve fazer na medida correta, no momento ideal. A maneira como se comunica é tão importante como o que se comunica e demasiada informação num curto espaço de tempo prejudica mais do que ajuda. Não há nada mais moroso que implementar novas ideias na cabeça de outras pessoas. Para isso, filtrar o que é transmitido durante um exercício (em quantidade e qualidade) torna-se essencial para que haja uma aprendizagem sustentada e duradoura.

Contextualizemos: um jogador pode cometer vários erros diferentes ao longo de um exercício e cabe ao treinador compreender a relevância de cada um deles. Importa levar em consideração dois aspectos para que a correcção seja eficaz: a magnitude do erro em relação com o contexto do exercício e o perfil do jogador. Após as falhas, o treinador deve começar por tentar compreender o porquê delas surgirem. É habitual no jogador? É provocado pelo exercício em causa? É por má interpretação da situação? Se uma das falhas entrar em conflito com o(s) objectivo(s) do exercício em causa, então esse deverá ser o foco principal do feedback. Tudo o resto deverá ser deixado para segundo plano. A comunicação, através de uma linguagem simples, rápida e fácil de assimilar, deve mencionar o erro, referir as consequências do mesmo e apresentar soluções alternativas que se coadunem com a linha de acção do exercício. Caso não hajam grandes dificuldades na aquisição dos conceitos projectados no exercício aí sim, o foco pode desviar para erros comportamentais consistentes do jogador... desde que a correcção seja, novamente, coerente com o exercício em causa! Se um jogador apresentar falta de confiança em progredir com bola, por exemplo, apenas fará sentido incentivá-lo a mudar se a situação assim o ditar (bastante espaço para que haja sucesso). Quanto a este tema, importa também salientar o "poder" do feedback. Por outras palavras, o sucesso da acção em causa. Em algo que o treinador achar importante o suficiente para intervir, deve esperar pelo momento certo. Se o erro foi feito mas deu resultado, então mais vale ficar calado e esperar. Uma linha recta é o caminho mais válido entre 2 pontos, o que não invalida que uma linha torta não alcance o mesmo, embora que por outros caminhos. Endireitá-la requer tempo e paciência. Quando a altura certa surgir (erro + insucesso), o feedback ressonará mais forte. O que antecede este ideal será na sua maioria desnecessário e apenas pontualmente eficaz. Já o perfil do jogador, assumido na forma do conhecimento do treinador acerca do mesmo, influencia na medida que permite saber quais as debilidades mais urgentes de serem moldadas, a capacidade de "encaixe" do mesmo e, por conseguinte, a melhor forma de abordar o problema. Diferentes jogadores exigem diferentes abordagens, numa pedagogia adequada a cada caso. Um jogador mais orgulhoso precisará de bater mais vezes com a cabeça na parede e só a seu tempo mudará. Deixe-mo-lo fazê-lo. Tentar a custo impingir comportamentos quando existe relutância a mudar, tornará tudo bem mais complicado. O argumento mais bem estruturado do Mundo não chegará a lado nenhum se o receptor não tiver vontade para o compreender.

Acima de tudo, dosear e hierarquizar. Escolher os momentos certos para intervir promove a assertividade e permite não quebrar a fluidez de acção do exercício. Mais: indicações desnecessárias como "passa bem!" ou "decide melhor!", devem ser abandonadas por completo. São desprovidas de conteúdo e apenas servem para desgastar a imagem do treinador e aborrecer quem treina.

Tudo isto pode parecer óbvio e relativamente simples de aplicar. Na verdade, até mesmo o treinador com as melhores ideias pode ser ofuscado pela intensidade da sua ambição. Querer muito em pouco tempo é um conceito aliciante mas difícil de ser aplicado se não debaixo de condições muito específicas. Dar tempo aos jogadores para assimilarem ideias de jogo, aceitar os seus defeitos e particularidades que moldam a sua aprendizagem e evitar o excesso de informação, filtrando-a correctamente, devem ser preocupações da mais alta consideração no processo de gestão do treino.

quinta-feira, 5 de março de 2015

Introdução à MLS - Major League Soccer


Aqui no nosso blog, o gosto por futebol é unânime a todos os que aqui escrevem. Nem poderia acontecer o contrário. E é por isso que, confessamos, estamos entusiasmados com a Major League Soccer, a liga norte americana de futebol profissional. Quer pela qualidade individual que tem vindo a ser acrescentada ao longo destes últimos anos, mas também pela estrutura apresentada e pela quase certeza americana de que o espectáculo está garantido!

Os estádios estão, na sua grande maioria, sempre cheios. Os adeptos cada vez mais conhecedores e permeáveis a um fenómeno de massas que parecia quase desprezado, marcam presença no seu "homecourt" e apoiam o clube da zona. O investimento, tanto ao nível de infra-estuturas clubísticas (estádios, emblemas, equipamentos, academias de formação, etc), como ao nível da contratações sonantes
, tem sido avassalador. E, por fim, a qualidade do marketing americano assegura que a emoção e a vibração que o futebol nos traz vai estar bem espelhado nos jogos da MLS.

Como tal, fizemos um levantamento de todas as equipas e dos seus elementos que tentarão colocar a MLS no mapa do futebol mundial.
 
Toronto FC

Melhores jogadores: Michael Bradley, Sebastian Giovinco, Jozy Altidore
Outros jogadores a referir: Steven Caldwell, Benoit Cheyrou, Luke Moore, Damien Perquis
Treinador: Greg Vanney

Seattle Sounders FC

Melhores jogadores: Obafemi Martins, Clint Dempsey, Gonzalo Pineda
Outros jogadores a referir: Marcus Hahnemann, Onyekachi Apam, Djimi Traoré, Marco Pappa
Treinador: Sigi Schmid

New York City FC

Melhores jogadores: David Villa, Mikkel Diskerud, Adam Nemec
Outros jogadores a referir: Josh Saunders, George John, Tony Taylor
Treinador: Jason Kreis

San Jose Earthquakes

Melhores jogadores: Chris Wondolowski, Innocent Emeghara, Víctor Bernárdez
Outros jogadores a referir: Matías Pérez, Pablo Pintos, Sanna Nyassi
Treinador: Dominic Kinnear

Montreal Impact

Melhores jogadores: Ignacio Piatti, Laurent Ciman, Marco Donadel
Outros jogadores a referir: Matteo Ferrari, Jack McInerney, Piscu
Treinador: Frank Klopas

Orlando City SC

Melhores jogadores: Kaká, Brek Shea, Aurélien Collin
Outros jogadores a referir: Donovan Ricketts, Eric Ávila, Rafael Ramos, Estrela, Martin Paterson
Treinador: Adrian Heath

Portland Timbers

Melhores jogadores: Maximiliano Urruti, Diego Váleri, Gastón Fernández
Outros jogadores a referir: Fanendo Adi, Rodney Wallace, Will Johnson, Pa-Modou Kah, Adam Larsen Kwarasey
Treinador: Caleb Porter

Houston Dynamo

Melhores jogadores: DaMarcus Beasley, Giles Barnes, Samuel Inkoom
Outros jogadores a referir: Boniek García, Omar Cummings, Will Bruin, Ricardo Clark
Treinador: Owen Coyle

Chicago Fire

Melhores jogadores: David Accam, Shaun Maloney, Guilherme do Prado
Outros jogadores a referir: Razvan Cocis, Mike Magee, Patrick Nyargo, Jhon Hurtado, Adaílton
Treinador: Frank Yallop

A MLS será transmitida pela Eurosport


Para concluir, deixamos o site oficial e o facebook da MLS. Divirtam-se, que nós vamos tentar fazer o mesmo!


segunda-feira, 2 de março de 2015

Notas soltas sobre o Clássico

- Porto com uma entrada expectante no jogo, mas a melhorar à medida que o tempo passava. O primeiro golo funcionou como "click" para acordar definitivamente a equipa. Muito fortes na reacção à perda da bola e na forma como souberam escolher muito bem os timings de pressão. Ofensivamente, grande mérito para a forma como conseguiram, de forma relativamente rápida, identificar o ponto fraco do Sporting e aquele que lhes poderia trazer grandes benefícios (a profundidade e o espaço entre o central e o lateral, sobretudo do lado direito do seu ataque), e canalizar por aí todos os momentos em que procuraram essa profundidade, através da velocidade de Tello. Com outra qualidade no capítulo do passe e da leitura de jogo (aspectos onde Casemiro e Herrera acabam por prejudicar mais do que ajudar, embora o mexicano também tenha feito um grande passe para o terceiro golo dos azuis e brancos), o espanhol poderia ter tido uma noite ainda mais brilhante, visto que Jonathan Silva nunca pareceu capaz de o travar;


- Sporting superior nos primeiros 20 minutos, mas horrível a partir daí. Pior exibição da época para a equipa leonina. Impressionante, pela negativa, a forma como, com o avançar do jogo, foram completamente incapazes de construir uma jogada "com pés e cabeça". Ligação entre sectores praticamente nula. Defensivamente, a coordenação, organização e equilíbrio da linha defensiva é assustadora, e os dois últimos golos do Porto são exemplos claros disso. Aliás, em ambas as jogadas, não faz sequer sentido falar-se numa "linha defensiva". É caso para perguntar qual é, exactamente, o trabalho que Marco Silva realizou neste aspecto nos quase 8 meses que leva no Sporting;

- Individualmente, além de Tello, homem do jogo, há que destacar claramente outro jogador: Evandro. Grande exibição do médio brasileiro. Como Lopetegui referiu, e muito bem, na flash-interview, Evandro, acima de tudo, traz futebol à equipa. E não há mesmo melhor forma de o descrever. Quando recebe, já sabe qual será a sua próxima acção. Pensa rápido, executa rápido e sabe de cor todos os passos para chegar aonde quer chegar. Entrega no colega, e, de forma natural, a sua primeira reacção é dar uma nova linha de passe ao portador da bola. Joga a 2/3 toques sempre que possível. Assim, de forma aparentemente simples, mas que parece tão complexa para alguns. Evandro é o oxigénio de qualquer equipa que goste de ter a bola e que goste de praticar bom futebol. Apenas um reparo: é uma pena que Lopetegui pareça não contar com ele para o lugar ocupado actualmente por Herrera. Evandro e Óliver podem (e devem!) coexistir no 11. E o futebol do Porto evoluiria imenso com isso;

- Do lado do Sporting, muito pouco a destacar pela positiva. João Mário e William ainda se esforçaram, mas cedo se viu que estavam muito desacompanhados. Na defesa, Paulo Oliveira foi curto para acudir a tantos fogos. Limpou o que conseguiu, mas teve uma tarefa muito ingrata. Já pela negativa, destaque claro para dois jogadores: Adrien e Fredy Montero. O primeiro voltou a realizar uma exibição horrenda, falhando a grande maioria das suas acções com bola, e demonstrando muita vontade mas pouca inteligência sem ela. É claramente um dos elos mais fracos deste Sporting, e a equipa já não beneficia em nada da sua presença no meio-campo. Quanto ao colombiano, fez a sua pior exibição desde que chegou a Portugal. Incrível como, sendo um jogador que muito frequentemente se caracteriza pela sua inteligência, visão de jogo e capacidade de dar sempre o melhor seguimento à jogada, Montero conseguiu ontem errar em praticamente todas as suas acções no jogo. Um jogo para esquecer. Ou para relembrar;

- Por fim, não podíamos mesmo acabar este texto sem dar o devido destaque ao jogador mais genial do jogo de ontem, e também ao momento mais genial do jogo (quiçá da época). Jackson Martínez, e o seu calcanhar, que começa a ser famoso. Aquilo que o colombiano faz no primeiro golo do Porto é algo que só está ao alcance dos predestinados, dos génios. Um momento de magia, daqueles que delicia qualquer fã do jogo. Num jogo até aí relativamente mal jogado, e até algo aborrecido, Jackson puxou do pincel e pintou uma obra de arte, que catapultou o Porto para uma estrondosa e inquestionável vitória no Clássico. Vale a pena ver e rever. E rever. E rever...

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Fala quem sabe


A importância de ouvir de quem sabe, de quem já passou pela situação. Arriscar na saída em construção vs jogar em segurança. Acima de tudo, a percepção do contexto, daquilo que cada momento pede e daquilo a que nos permitimos imaginar. Sim, existem situações em que a saída de bola deve ser feita em segurança, dependendo da confiança dos jogadores, do conhecimento que se tem do adversário, do momento do jogo, do resultado no placar. Mas acima de tudo, ter a honestidade, coragem e ambição de querer sempre olhar para além do comum. Do "chuta pra frente porque estás pressionado", do "não arrisques que vais perder a bola", pensamentos castradores da verdadeira natureza do jogo.

É este o caminho. Dar liberdade a quem pode (e deve) falar do jogo e abandonar os tasqueiros de praça pública. Henry, será sempre um prazer.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

VfL Wolfsburg - o que espera o Sporting na próxima 5ª-feira

Após a travessia no deserto sem ir à fase de grupos da Champions, o Sporting alcançou um 3º lugar, injustamente. E injustiça na posição classificativa no grupo G, porque o 2º lugar era o que o Sporting merecia ter alcançado, não fosse a incompetência do árbitro no jogo em Gelsenkirchen. Bateram-se bem contra um Chelsea de outra galáxia, deixaram-se empatar nos últimos minutos em Maribor e que agora sabemos o que suspeitámos logo na altura: os 2 pontinhos perdidos na Eslovénia tinham dado cá um jeito... Nem a péssima arbitragem na Alemanha  condicionariam a equipa de Alvalade no apuramento para a próxima fase. Todavia, para um clube que teve tantos anos afastados das competições europeias e para um plantel com pouca experiência (com imensos jogadores formados na sua cantera e não habituados a estas lides), o Sporting fez uma boa prestação. E o caminho óbvio seria a Liga Europa. E na rifa saiu o Wolfsburg, das equipas mais fortes que podiam ter calhado.

O Wolfsburg organiza-se em 1x4x2x3x1:


Começando na baliza, um velho conhecido de quem acompanha o futebol português, temos Diego Benaglio. O capitão e o líder da equipa com uma boa performance já nestes longos anos na Alemanha. É um bom guarda-redes que dispensa apresentações.
Na defesa temos Ricardo Rodríguez a DE, lateral forte defensivamente e que se envolve bem no ataque. Knoche e Naldo formam uma dupla fortíssima, com um poder aéreo assinalável (entre eles têm de média de altura 1,94m), robustos e que transmitem a segurança defensiva que o Wolfsburg precisa para poder construir o seu jogo. Do lado direito da defesa, temos visto Vieirinha: o português que todos conhecemos como extremo tem feito vários jogos do lado direito (ganhando posição a Sebastian Jung), mostrando a vocação ofensiva mesclada com a sua qualidade individual, e também associada a uma boa capacidade posicional e ocupação de espaços.
No meio-campo temos Max Arnold, um jogador com uma capacidade de passe extraordinária, rápido a pensar e a jogar, mas que joga mais recuado do que na sua formação enquanto futebolista, onde ocupava espaços mais ofensivos. Luiz Gustavo (a boa notícia é que está castigado para o jogo de 5ªfeira) é o pêndulo deste meio-campo, normalmente mais posicional e com capacidade física para conseguir limpar e entregar jogável aos colegas da frente: a grande mais-valia deste Wolfsburg.
Sem qualquer dúvida, Caligiuri, De Bruyne e Dost têm uma qualidade individual assinalável e que são jogadores de grande categoria. A juntar a este elenco a aquisição de inverno vinda do Chelsea - Schürrle - afirmamos, sem dúvida, que esta frente de ataque é temível.

As grandes armas do conjunto alemão assentam na velocidade e verticalidade do seu jogo, na rapidez das suas transições, culminando com a qualidade individual de cada um dos elementos do 11 escolhido (Não esquecendo Guilavogui, Perisic e Hunt, por exemplo) por Dieter Hecking.

Esticando o jogo e procurando transições directas, o Wolsfburg é uma equipa que está muito confortável a jogar no contra-ataque, procurando sempre recuperar rapidamente a bola no seu
meio-campo e compactando o espaço para não deixar sair a jogar. Normalmente é De Bruyne/Dost a sair na pressão ao portador da bola, com os 4 no meio-campo a organizarem-se defensivamente com coberturas bastante próximas dos colegas, tendo como objectivo máximo a saída rápida, esticando linhas e chegando à baliza adversária o mais depressa possível. Por vezes, há ocasiões onde Arnold não é tão agressivo na ocupação de espaços, deixando Luiz Gustavo demasiado desacompanhado e a braços com situações de inferioridade numérica (acrescentando ainda as situações onde os extremos não estão preocupados com a vertente defensiva).

Em organização ofensiva e quando estão com a posse de bola, o Wolfsburg prefere sair seguro com os extremos a posicionarem-se entre-linhas, perto do corredor central, com os laterais a abrirem o jogo, progredindo com bola ou explorando a profundidade, esperando que surja um passe nas costas da defesa. A finalidade do jogo ofensiva é sempre a área adversário, maioritariamente usando cruzamentos para chegar até lá. A outra situação mais ocorrente no jogo ofensivo do Wolfsburg, é Bas Dost (excelente avançado, grande e forte) que se apresenta como referência ofensiva: seja para o jogo directo onde faz uso do seu 1,92m e 85kg para ganhar terreno em espaços mais seguros, ou descendo para dar linha de passe vertical ao portador da bola, arrastando marcações e dando espaço a De Bruyne, Schürrle e Caligiuri para actuarem com rapidez nas costas da defesa.


Para além de Dost, existe De Bruyne. Mais que um "nº10", um maestro, ou um organizador de jogo, De Bruyne tem velocidade, drible e sentido de baliza que lhe conferem um papel muitíssimo activo neste estilo de jogo alemão, na procura de golos e oportunidades claras para atormentar o guarda-redes adversário.


Para além do que referimos, as bolas paradas são também uma mais-valia neste Wolfsburg. Para além dos livres directos onde De Bruyne, Arnold e até Naldo (que grande golo marcou frente ao Leverkusen!) gostam de dar um ar de sua graça; nos cantos e livres indirectos a ameaça é constante face à altura dos jogadores que figuram no plantel alemão.

Para o Sporting a missão é extremamente complicada, somos sinceros. Só com um jogo muito bom a nível defensivo e com um jogo ofensivo assertivo, não precipitado  e capaz de saber explorar as debilidades defensivas do Wolfsburg é que o Sporting sairá da Alemanha com um resultado positivo.

Mas sonhar não custa, e desejamos que o Sporting consiga um bom resultado para resolver a eliminatória em Alvalade.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Criatividade, Espaço Entrelinhas e Outras Coisinhas

O lance que trago hoje para discussão diz respeito ao primeiro golo do Tottenham contra o Liverpool, a contar para a 25ª jornada da Premier League, num desafio em que os comandados de Mauricio Pochettino até acabaram por sair derrotados por 3-2. A finalização de Harry Kane, muito mal executada por sinal, é o que menos importa na jogada, por isso vamos concentrar-nos na construção da mesma, da autoria dos dois jogadores mais criativos do plantel, Eriksen e Lamela.


A jogada começa com a bola na posse do lateral direito Kyle Walker e a primeira nota positiva vai para a movimentação dos jogadores do Tottenham que, em vez de fazerem «campo grande a atacar», como mandam os livros, optam por aproximar-se, concentrando-se em redor de Walker e oferecendo-lhe linhas de passe próximas. Este movimento conjunto de aproximação ao portador da bola, juntamente com a circulação da bola sempre por dentro, obriga o meio-campo do Liverpool a ajustar o seu posicionamento e o espaço entrelinhas - o ouro, portanto! - fica então descoberto. Se se parar o vídeo aos 8 segundos, quando a bola sai dos pés de Lamela para Eriksen, a distância entre a linha defensiva e a linha média do Liverpool é por demais evidente. Aliás, diga-se que esta má articulação entre sectores é um defeito grave da equipa de Brendan Rodgers e tem sido uma constante, não só esta época, mas também durante grande parte da época passada; provavelmente para tentar resolver alguns problemas de controlo de profundidade que o Liverpool sentiu o ano passado, Rodgers pediu (e pede) à sua linha defensiva que não conceda tanto espaço nas costas, mas com isso só consegue que qualquer equipa, mesmo de menor qualidade, jogue com facilidade dentro do bloco e entre as linhas do Liverpool, já que o meio-campo continua a ter ordens para efectuar um pressing médio/alto. Mas isso são contas de outro rosário...Voltando ao lance em questão, a bola chega por fim a Eriksen, que toma a decisão que desbloqueia verdadeiramente toda a jogada. A tabela com Lamela, com o passe a entrar entre dois médios do Liverpool, é um gesto técnico relativamente simples, mas são poucos os médios ofensivos que, tendo outras opções, decidem forçar o jogo pelo corredor central, metendo a bola ali, no meio de um aglomerado de jogadores adversários. Outro jogador, menos imaginativo, provavelmente tinha optado por jogar no apoio recuado ou mesmo esperado pela subida do lateral, para tentar o overlap. Mas Eriksen não é um jogador qualquer e conseguiu a proeza de decidir rápido, bem e, ao mesmo tempo, com imprevisibilidade. A assistência de Lamela para Kane, atacando o lado esquerdo e depois fazendo a bola entrar do lado direito, apanhando os defesas em contra-pé, é muito boa, mas o mais difícil, que era colocar a bola na zona onde tudo acontece, estava feito.

Dois jogadores com uma criatividade acima da média, com três passes do mais simples que há, foram capazes de ultrapassar oito adversários e de colocar um colega numa situação de 1x1 com o guarda-redes. Oito adversários, repito, ou seja, mais de meia equipa! Muito mais do que passes longos vistosos, pedaladas, cabritos ou vírgulas, criatividade é isto. E uma equipa, não descurando obviamente outras formar de criar oportunidades de golo, nomeadamente através do jogo exterior, será tanto mais imprevisível e versátil a atacar, quanto mais capacidade tiver para recrear jogadas ofensivas deste tipo e quanto mais jogadores com a capacidade inventiva de Eriksen e Lamela conseguir reunir no onze.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

O Rei do Chutão

«The really good players are the ones who never lose the ball. Those who know how to pass it and who never lose it. They are the good ones. And that’s who you must always use, even if they are lower profile than the rest.»
Pep Guardiola

Corria o minuto 89 em Alvalade. Minutos antes, o Sporting adiantara-se finalmente no marcador, por intermédio de Jefferson, e tinha assim uma oportunidade de ouro de encurtar a distância para o maior rival para 4 pontos e relançar a luta pelo título. Assim sendo, nos poucos minutos que restavam, era imperioso não deixar o Benfica ter a bola, necessitando o Sporting, para isso, de a conservar em seu poder longe da sua grande área e de baixar o ritmo do jogo o mais possível, por forma a desgastar o adversário física e psicologicamente. Nestas circunstâncias, como permitir então o empate? Simples. Ter jogadores displicentes, com uma capacidade de decisão sofrível e escassa qualidade com bola.


Atentemos num momento em que o Sporting tenta - e bem! - circular a bola a toda a largura, com paciência e critério. No instante em que a imagem pára, a bola está a vir da meia direita para a direita, mas, infelizmente, o destinatário do passe de Paulo Oliveira é Cédric, um dos jogadores mais acarinhados pelo público leonino e um dos que mais escapa às críticas negativas, sem se perceber muito bem o porquê, já que é, a alguma distância, o elo mais fraco do onze. Vejamos então o que acontece quando a bola chega aos pés de Cédric.


Na altura em que se prepara para receber a bola, Cédric tem três opções: a) devolver o passe a Paulo Oliveira, que já estava posicionado para fornecer o apoio recuado; b) usar a linha de passe interior, dada por Mané; c) ficar com a bola, tentando ganhar uma falta ou um lançamento de linha lateral. Todas estas opções, com maior ou menor risco, permitiriam ao Sporting o que era verdadeiramente essencial naquela fase crítica do jogo: ter a bola! Mas Cédric, com a falta de inteligência a que já nos habituou, resolve o lance da única maneira que conhece, ou seja, com um balão sem nexo para onde estava virado.



Repare-se que o esférico ainda não saiu dos pés de Paulo Oliveira e toda a linguagem corporal do lateral direito leonino dá a entender que não equaciona sequer outra hipótese que não seja livrar-se da bola a todo o custo, como se fosse uma granada prestes a explodir. O lance, que até nem era especialmente exigente do ponto de vista técnico ou de decisão, claro está que acabou nas mãos de Artur e o Benfica pôde recomeçar nova vaga de ataque, conseguindo mesmo chegar ao empate, nos últimos segundos do encontro.

Responsabilizar unicamente Cédric por estes dois pontos perdidos seria uma análise demasiado simplista e redutora e esse está longe de ser o propósito deste texto, mas, para quem vê os jogos do Sporting com olhos de ver, decisões destas são recorrentes em Cédric. É um lateral rápido, abnegado e com alguma competência no 1x1 defensivo, mas a sua qualidade com bola é francamente insuficiente para este nível, sobretudo se fizermos a comparação com os laterais que Porto e Benfica têm à sua disposição. Mesmo Maxi Pereira, que está longe de ser um lateral de eleição, tem um leque de recursos ofensivos que não está ao alcance de Cédric. Para os mais cépticos, só peço que estejam atentos aos próximos jogos do Sporting e que contem o número de vezes em que ele traz o jogo para dentro para criar desequilíbrios, em que ganha a linha de fundo e cruza atrasado em vez de mandar a bola para a molhada, em que sai da pressão através do drible, em que usa os apoios interiores para progredir, em que faz um passe de mais de 2 metros que não seja a «queimar» o colega. Muito poucas! Não, as suas acções com bola são do mais básico e rudimentar que há e se, há uns anos, não se exigia tanto, em termos ofensivos, dos jogadores que jogam em posições mais recuadas, actualmente, com o aperfeiçoamento crescente das estratégias defensivas, todas as posições, sem excepção, devem ter jogadores capazes de realizar mais do que duas ou três acções padronizadas e previsíveis. Num clube grande como o Sporting, torna-se mesmo obrigatório.

Enfim, é Cédric no seu melhor. O verdadeiro rei do chutão.

P.S. No meio-campo, embora em muito menor escala, existe um problema semelhante e chama-se Adrien Silva. Mas quando Ryan Guald começar a aparecer com mais frequência na equipa principal, como espero que venha a acontecer a curto/médio prazo, talvez se perceba que Adrien, apesar de ter valor, não é tudo aquilo que dizem que é, nomeadamente a nível ofensivo.