terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Progredir, passo a passo

Dentro da realidade do treino existem várias vertentes passíveis de serem moldadas para se adaptarem às mais diversas intenções. A complexidade crescente e consequente progressão de determinado exercício é das mais interessantes pelos benefícios que delas podem advir.

Certo dia, na companhia de um dos colaboradores deste blog, alguém com quem trabalhávamos disse: "Nunca repitam o mesmo exercício. Todos os dias, quero novos exercícios." A afirmação deixou-nos apreensivos. Como é que poderíamos trabalhar um determinado estilo de jogo e criar uma identidade dentro da nossa equipa sem repetir exercícios? Aceitando que a repetição sistemática para além do "sumo" que certo exercício pode oferecer é prejudicial, essa repetição, quando bem doseada e dentro de um limite que favoreça um binómio de dificuldade\progressão, é fundamental. Seja na formação de uma ideia de jogo dentro da própria equipa, seja na interiorização de conceitos que, sem ela, se perderiam num curto espaço de tempo.

Contudo, é aprazível refletir sobre o tema. Apesar de não concordar com a peremptoriedade da afirmação, são compreensíveis as suas origens. Estímulos diferentes provocam novas situações que permitem a criação de novas soluções. E se queremos formar jogadores que se adaptem conforme o desenrolar o jogo, essa variabilidade é algo que não podemos descurar. Mesmo assim, pensando em estruturas iguais é possível obter resultados distintos, isto porque os incentivos necessários para evoluir baseiam-se, também, na progressão de conceitos de forma gradual e constante. E neste sentido é possível enquadrar exercícios de estruturas iguais e suas devidas progressões (um bom exercício em Novembro pode já não o ser em Fevereiro e o inverso também pode ser verdadeiro, porque tudo depende do momento da equipa e da sua adaptação perante as ideias que se tentam adquirir).

Seguindo esse raciocínio, o mesmo exercício-base, com ajustes graduais (progressão), permite a continuação de uma implantação coerente de ideias, variando os estímulos e conferindo ao mesmo tempo uma dificuldade ajustada ao momento e compreensão da equipa (complexidade). Ao contrário de tentar criar constantemente novos exercícios, interessa sim moldar os que se tenham provado eficazes, que respeitem e estimulem as ideias pretendidas, de acordo com o estado de complexidade que determinada equipa consegue resolver. Seja através da redução do espaço de execução, de novas regras que dificultem a obtenção dos objetivos, ou apenas objetivos diferentes mas mais exigentes. A validade de um exercício terá sempre que ser analisada por aquilo que objetivamente obtém, diariamente, e não por idealizações pré-concebidas.

Dentro deste pensamento importa também considerar a compreensão e o à-vontade do jogador. Estar constantemente a introduzir novos exercícios torna-se desconfortável e ineficaz pelo período de adaptação que tem necessariamente de existir até haver uma confiança e naturalidade perante os mesmos. Daí que para o contrariar é preciso inovar dentro de situações conhecidas e só dar o próximo passo (novos exercícios) quando realmente for necessário. Mudar por mudar nunca foi nem nunca será boa política.

Uma tangente com fulcral importância no tema poderia aqui também ser referida (a necessidade de exercícios com resoluções "abertas"), mas ficará para outro dia. Importa ter a ideia de que se a repetição é fundamental na aquisição, a evolução que se pretende terá obrigatoriamente que lhe ser associada. Evitar sobrecarregar os jogadores com situações e problemas desnecessáriaos. O caminho para o conseguir está no espaço que podemos e devemos conceder à mutação da nossa operacionalização. Sempre numa progressão constante, não necessariamente linear mas devidamente sustentada.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Ancelotti e Jesus: o mérito das ideias

Mesmo dentro de toda a inutilidade que diariamente enche os jornais desportivos, por vezes é possível encontrar pequenos tesouros que nos mostram aquilo que realmente importa. Pena que quem realmente sabe não tenha mais tempo de antena.

Ancelotti



"O importante é ter haver uma boa relação entre treinador e jogadores, mostrar aquilo em que acreditas e conseguir convencer os jogadores do mérito das tuas ideias. Nunca é bom quando se impõem coisas aos jogadores. É importante que o grupo acredite no que o treinador faz e ter a certeza que tal é aceite por todos."


Descontando os já habituais erros gramaticais, o sumo das declarações de Ancelotti revelam o bom-senso e inteligência a que o italiano já nos habituou. Toca num tema que já foi aqui abordado e que nunca é de mais reiterar: a sedução através da qualidade das ideias como fator determinante para conquistar a confiança do grupo e, por consequência, chegar mais perto do sucesso. O tempo do "mandar fazer" já passou e com a crescente consciencialização dos jogadores, mais será exigido dos treinadores para justificarem as suas opções aos olhos de quem lideram. Um paradigma que beneficia todos os que nele se encontram.

Jorge Jesus


"Primeiro tens que olhar para o jogador não só do ponto de vista da qualidade técnica, mas também a componente física: será que este jogador tem as condições físicas para desempenhar esta função? A partir daí vais para a técnica e para a tática, que tens de lhe ensinar. É preciso ter em conta estas três vertentes: física, técnica e táctica. Agora já há muitos treinadores a tentarem fazer o que eu fiz, mas é preciso mais do que meter um jogador a jogar numa posição, isso é curto, tens de ver se o jogador tem condições para o fazer. E tudo começa no físico. Um jogador que se transformou completamente, de um ala para um médio organizador, foi o Enzo Pérez. É o mais difícil, porque é preciso fazer com que ele acredite que pode fazer essa posição. O Fábio Coentrão passar de extremo a lateral, não é uma transformação tão radical. O Enzo e o Matic, que era "10" e passou a "6", são os jogadores que eu tirei da sua posição para encaixar na ideia que tinha de jogo. Mas isto só se faz se o jogador acreditar que é capaz: se ele não acreditar, nada feito". 

As declarações de Jesus são, por norma, uma delícia de se "ler". Explicitamente ou entre-linhas, o amadorense proporciona sempre um vislumbre daquilo que é a sua lógica de trabalho. Apesar de num registo mais individual, Jesus bate na mesma tecla: o jogador só faz o que se pretende se acreditar nas ideias do treinador, se for seduzido a tal e não forçado. Nunca foi tão importante como agora saber persuadir para transmitir informação. Jesus pode não ser um ás da língua portuguesa mas no que interessa, na interação no campo e no treino, prova ter valências mais que suficientes para convencer e transformar mentalidades. 

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Um final antecipado


Chegou ao fim a estadia de Mourinho no Chelsea. Previsível? Sim. Os resultados, as exibições, as constantes polémicas e as bocas em praça pública antecipavam, mais cedo ou mais tarde, este desfecho. Foi tudo mau demais para ser verdade.

A situação com Hazard exemplificava o atrito (há muito?) existente. Desde as declarações discordantes na imprensa entre os dois, ao momento de frustração do belga no jogo com o Porto, à lide bizarra da sua lesão no último jogo. Mas no meio de tudo, havia algo tangível que pouco destaque mereceu: notava-se, aqui e ali, que os jogadores não se sentiam confortáveis com a sua forma de jogar, especialmente os mais talentosos. Hazard chegou a afirma-lo publicamente, numa entrevista que agora me escapa.

A situação faz-me lembrar um post de Carlos Carvalhal no seu blog que, parafraseando, dizia: "Quando entras para um novo clube, tudo importa. Tens de ter em conta a mentalidade do clube, as suas ambições, a personalidade dos jogadores, a cultura dos adeptos, até a sua religião! Tudo para que quando crias uma identidade, essa seja compatível com o contexto em que te encontras."

De certa forma, esse é o lado do problema que mais importa referir aqui. Não interessa se tens boas ideias quando elas não encontram concordância do outro lado. Podes preferir jogar de determinada maneira mas se os teus jogadores não estiverem a bordo contigo, tudo se perde. E desse prisma, José Mourinho não tinha os jogadores do seu lado, algo que se torna particularmente surpreendente quando falamos de um treinador amplamente elogiado no passado pela capacidade de exponenciar, a níveis incríveis, a coesão do seu grupo.

Existe algo inegável: os jogadores são e serão, sempre, o melhor barómetro. São eles que jogam, que colocam em campo as ideias e são eles que, no final, ganham ou perdem jogos. Se tens o apoio e a dedicação deles ficas muito mais próximo do sucesso. Se não, nem todos os elogios da imprensa, dos adeptos, da direção e dos teus colegas importam porque no fim o fracasso será anunciado.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Balanço de Final de Ano

1. O Sporting, na novela mais quente do Verão, trocou Marco Silva por Jorge Jesus e, à passagem da 13ª jornada, está na liderança isolada do campeonato, com dois pontos de vantagem sobre o Porto e sete sobre o Benfica. Além disso, comparativamente com o mesmo período da época passada, o Sporting tem menos um golo marcado, mas tem mais onze pontos, mais cinco vitórias, menos quatro empates, menos seis golos sofridos, ainda não perdeu…Sinal de que tudo vai bem no reino do leão? Com certeza que não. Não partilhando da opinião veiculada sobretudo por adeptos dos rivais de que este Sporting joga pouco futebol – defensivamente, a diferença é do dia para a noite, e mesmo em termos ofensivos, já se veem movimentações e intenções dos jogadores que não se viam com Marco Silva e não se veem nem no Porto nem no Benfica – parece-me haver um défice claro de qualidade individual, o que retarda necessariamente o crescimento da equipa enquanto coletivo e pode ajudar a explicar algumas vitórias tangenciais, que podiam perfeitamente ter resultado em empates. O modelo de jogo de Jorge Jesus é complexo e exigente a todos os níveis e, para estar em Dezembro a jogar já perto do seu potencial máximo, eram precisos executantes com uma qualidade técnica e de decisão que não está ao alcance de um João Pereira, de um Naldo, de um Adrien, de um Teo ou de um Slimani (só aqui já está meia equipa habitualmente titular). Ewerton, André Martins, Aquilani, Carrillo, Matheus Pereira e Montero, esses sim têm essa capacidade, mas, por uma razão ou por outra, não têm estado entre as primeiras opções de Jesus, pelo que o futebol do Sporting tem tardado em dar o salto qualitativo. Resumindo: a meu ver, apesar dos indicadores positivos, o Sporting será tanto mais candidato ao título quanto mais vezes incluir no onze inicial os jogadores acima referidos. Noutro âmbito, a chegada do fantástico Bryan Ruiz constitui a melhor notícia do defeso em Portugal, talvez a par da contratação de Mitroglou pelo Benfica.

2. Há quem seja da opinião que Julen Lopetegui é um treinador com uma boa ideia de jogo, mas que não sabe bem como operacionalizá-la, nem quais os melhores jogadores para a executar. Acho precisamente o contrário: o treinador espanhol sabe pôr uma equipa a jogar como quer e também sabe escolher os executantes mais adequados para o seu modelo de jogo, mas boas ideias é tudo o que não tem, pelo menos a nível ofensivo. É tudo rígido, padronizado e previsível, mas estou plenamente convencido de que Lopetegui quer e sempre quis que o Porto jogasse como joga: sem bola, uma reação rápida e agressiva à perda, com um meio-campo essencialmente de suor e rigor tático; com bola, uma circulação em “U”, sempre por fora e com largura máxima em todos os momentos, para que depois os laterais e os extremos desequilibrem ofensivamente. Alguma vez o Porto de Lopetegui foi ou pretendeu ser algo diferente disto? Não me parece. E é por essa razão que o Porto não se consegue assumir definitivamente como o candidato mais forte ao título, como era, de resto, sua obrigação: uma ideia de jogo sem qualidade, que não potencie toda a qualidade individual existente, mesmo que esteja superiormente operacionalizada, não deixa de ser uma ideia de jogo sem qualidade.

3. No Benfica, Luís Filipe Vieira, que se não está com a corda ao pescoço em termos financeiros, disfarça muito mal, decidiu abrandar o investimento massivo no futebol e abdicou do bicampeão Jorge Jesus (que, para grande transtorno seu, foi parar ao outro lado da Segunda Circular…) para ir buscar o mais económico Rui Vitória. Rui Vitória é um treinador que subiu na carreira a pulso e que tem conseguido resultados interessantes, sobretudo no problemático Vitória de Guimarães, mas o futebol pouco elaborado das suas equipas não augurava nada de bom e estes primeiros meses à frente do Benfica apenas têm confirmado essas suspeitas. O que se vê é um treinador de equipa pequena a tentar, sem sucesso, operacionalizar um modelo de equipa grande e, seja qual for a opção tomada daqui para a frente, as perspetivas não são animadoras: se quiser trabalhar o modelo em que acredita, o mesmo não vai ser suficiente, porque a concorrência está forte e colocou a fasquia alta; se quiser trabalhar um modelo em que não acredita, não tem competência para tal, pelo que os resultados dificilmente serão positivos. Prevêem-se tempos difíceis na Luz, ainda para mais sem um plantel extraordinário em termos individuais…No entanto, além dos consagrados Júlio César, Gaitán, Jonas e Mitroglou, há um valor seguro para o futuro: Nélson Semedo. Quanto aos hipervalorizados Renato Sanches e sobretudo Gonçalo Guedes…Bem, vamos esperar para ver.

4. Em Inglaterra, a Premier League, ao contrário do que se apregoa, é um campeonato competitivo, mas nivelado por baixo, como se comprova pelos constantes insucessos das equipas inglesas nas competições europeias: o Manchester City tem todas as condições para dominar o campeonato, mas joga abaixo do seu potencial, porque não tem uma liderança técnica capaz de elevar a equipa para um patamar superior (não está em causa a competência de Pellegrini, que é um treinador que aprecio); Van Gaal está ultrapassado e já não parece ter capacidade para operacionalizar a 100% a sua interessante ideia de jogo; Mourinho estagnou completamente e, neste momento, é um treinador que não se diferencia dos demais e que tanto pode ser campeão num ano, como no ano seguinte andar pelo meio da tabela; Wenger continua a repetir os mesmos erros, ano após ano, e o Arsenal estava melhor servido com uma equipa técnica mais moderna e bem preparada. O Tottenham de Pochettino e o Everton de Roberto Martínez são equipas que procuram um “jogar” mais evoluído do que é habitual em terras de Sua Majestade, e a contratação de Klopp pelo Liverpool é uma ótima notícia para a evolução do futebol inglês, mas não é suficiente, nem de perto nem de longe. É necessário que as equipas com maior poderio financeiro da Premier League contratem não só jogadores de grande qualidade, mas também treinadores que consigam rentabilizar ao máximo toda a qualidade individual existente, para que as restantes equipas também sintam necessidade de evoluir e subir a fasquia, contratando jogadores de qualidade e sobretudo treinadores com ideias e métodos de trabalho diferentes. Por exemplo, só num campeonato nivelado por baixo e em que as equipas grandes estejam mais próximas em qualidade das equipas mais pequenas do que o contrário, é que é possível que equipas com modelos de jogo rudimentares como o Leicester e o Crystal Palace estejam, em Dezembro, tão acima na tabela classificativa. O facto de o melhor treinador britânico em atividade ser provavelmente Alan Pardew também devia ser um indicador, no mínimo, preocupante. A Premier League tem evoluído muito na última década e o conhecimento técnico-tático existente é agora maior do que nunca, mas, no meu entender, ainda tem um longo caminho a percorrer até poder justificar o epíteto de “melhor liga do mundo”. Talvez a mais que anunciada chegada de Guardiola seja a pedrada no charco de que o futebol inglês necessita.

5. Em Espanha, não há muito a destacar: Florentino Pérez, não contente com a decisão absurda de afastar Ancelotti do comando técnico do Real Madrid, resolveu animar ainda mais as coisas e entregou aquele que é, provavelmente, o melhor plantel do mundo a…Rafa Benítez. Sim, aconteceu mesmo. No momento em que escrevo estas linhas, a vantagem pontual do Barcelona já é de cinco pontos, por isso ficarei muito surpreendido se Messi, Neymar, Iniesta & Cia não revalidarem o título de campeões espanhóis em Maio, desta feita sem o lendário Xavi Hernández. O Barcelona de Luis Enrique é, nos dias que correm, uma equipa super vertical, que pratica um futebol direto e de procura constante da baliza contrária, e que, por isso, já não consegue controlar tão bem os ritmos de jogo e o adversário, mas a qualidade individual assombrosa e a falta de oposição interna deverão chegar para vencer tranquilamente o título (porém, muita atenção ao Atlético de Madrid!). Destaque para o aparecimento na equipa principal do jovem Sergi Roberto, que agarrou a oportunidade que Luis Enrique foi obrigado a dar-lhe (saída de Xavi, lesão prolongada de Rafinha, problemas físicos de Iniesta, etc) e tem agora o caminho aberto para se afirmar como um dos grandes médios espanhóis do futuro.

6. A Serie A, um campeonato caído em desgraça e que bem precisa de novos estímulos, deu a conhecer ao mundo dois treinadores de enorme valor: Maurizio Sarri e Paulo Sousa, este bem conhecido do público português. A Fiorentina de Paulo Sousa e sobretudo o Nápoles de Sarri são equipas que procuram controlar o jogo através da posse de bola e da pressão alta desde o primeiro minuto e que não têm problemas em jogar com três e quatro médios de características ofensivas ao mesmo tempo, o que constitui claramente um sinal de que o futebol italiano, se houver um esforço coletivo dos clubes, pode perfeitamente reinventar-se e reerguer-se. Infelizmente, Juventus, Inter e Milan, os clubes que, pelo seu peso histórico, mais possibilidades tinham de comandar esta mudança de mentalidades, preferiam manter ou ir buscar treinadores que pensam e trabalham como 90% dos treinadores mundiais, por isso o campeonato perdeu algum do interesse que poderia ter. No entanto, já que Rudi García da Roma se revelou uma desilusão, quero acreditar que Sarri e Paulo Sousa estão a lançar algumas bases importantes para o futuro a médio prazo do Calcio.

7. Na Bundesliga, o Dortmund contratou um dos treinadores mais talentosos da atualidade – Thomas Tuchel – e mantém um plantel repleto de jogadores que tinham lugar em quase todos os grandes clubes europeus, com Hummels, Gündogan, Kagawa, Mkhitaryan, Reus e Aubameyang à cabeça, mais o muito promissor Weigl, mas Guardiola é mesmo de outro planeta e o Bayern chega ao dobrar do campeonato com 43 pontos em 48 possíveis e cinco pontos de vantagem sobre o Dortmund. Além dos resultados esmagadores, o genial treinador catalão continua a inovar taticamente como nenhum outro e a dar lições em todos os jogos, embora muitos nem sequer se apercebam disso: recordo que o Bayern, a jogar habitualmente num 2-3-5 (!) com Boateng como único jogador de características defensivas e Robben, Müller, Douglas Costa, Coman e Lewandowski na frente, mesmo que os adversários concretizassem todos os remates enquadrados com a baliza de Neuer, continuaria a liderar a Bundesliga. Incrível! Já para não falar da facilidade com que o Bayern troca de sistema de jogo para jogo ou mesmo durante o jogo, alterando entre 4-3-3, 4-4-2, 3-5-2, 3-4-3 e 2-3-5 como se nada fosse, e do rendimento estratosférico de jogadores como Alaba, Douglas Costa, Müller, Lewandowski ou mesmo Boateng. Luis Enrique merece o prémio de melhor treinador de 2015, pelos títulos que conquistou, mas não tenho dúvidas nenhumas de que o treinador referência foi, para não variar, Pep Guardiola.

8. Sobre a Bola de Ouro, cujos resultados serão conhecidos no dia 11 de Janeiro, apenas duas notas rápidas, porque há algumas pessoas com problemas de memória. Primeiro, para os que são da opinião que é um escândalo Luis Suárez não estar no lugar de Cristiano Ronaldo nos três finalistas, convém lembrar que o avançado uruguaio só em Abril/Maio é que começou a render a bom nível e a contribuir com alguma qualidade para a manobra ofensiva do Barcelona para além dos golos…Até lá, foi quase sempre um corpo estranho na equipa e sentiu grandes dificuldades de adaptação, por isso a escolha de Ronaldo é mais do que compreensível, pese o final de época algo apagado. Segundo, Neymar teve um ano incrível, não só na finalização, mas também na criação, e assumiu-se definitivamente como jogador de eleição, mas só merece a Bola de Ouro se se esquecer tudo o que Messi fez até se lesionar em Setembro. É bom não esquecer que Messi rubricou possivelmente a melhor época da carreira – o que quer dizer muito, tendo em conta o nível elevadíssimo que atingiu com Guardiola – com exibições quase sobre-humanas, em que foi o principal motor criativo de um Barcelona que ganhou tudo o que havia para ganhar. Mas a Bola de Ouro sempre foi isto: aconteça o que acontecer, para a opinião pública, o que interessa é como se acaba o ano. Posto isto, Messi, Neymar e Ronaldo seriam as minhas escolhas para a Bola de Ouro, por esta ordem.

O "Com Pés e Cabeça" aproveita para desejar a todos os leitores um Feliz Natal e um Bom Ano Novo!

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Mourinho: Regresso ao passado?

Dizia Mourinho, há 10 anos atrás: 

"Assumir sempre os jogos, não se descaracterizar perante os adversários, é uma característica das minhas equipas. Já o era quando treinava o União de Leiria, que era uma equipa que não tinha essa obrigação. Para mim, o mais importante é sempre a nossa própria equipa e não o adversário"

Esta foi a filosofia que consagrou a carreira do português, que cativou e impulsionou uma nova geração de treinadores. Entre várias outras ideias, com o conceito de assumir o jogo em todos os seus aspetos (com as particularidades que daí advém) conseguiu proporcionar um salto qualitativo gigante em quase todas as equipas onde treinou.

No entanto, o foco parece ter mudado em anos recentes. Se para melhor ou pior, depende sempre do contexto em que determinada equipa se encontra. Existe um argumento a ser feito que, cada vez mais, as equipas de Mourinho apresentam um estilo de jogo baseado no adversário.

Mourinho sempre demonstrou ser um dedicado estratega. Ele, mais consistentemente que ninguém, conseguia apetrechar as suas equipas de argumentos que contrariassem as qualidades dos adversários e aproveitassem os seus defeitos.

Tudo se relaciona. Desde a forma como se ataca que condiciona a transição defensiva (que por sua vez condiciona a forma como se defende, etc), à simples substituição de um jogador por outro. Mais ou menos subtis, as variações, seja de que natureza forem, estão lá. Como tal, é erróneo esperar que um maior ênfase na vertente estratégica não afete a matriz de identidade de uma equipa, por mais consciente e competente que a mesma seja.

Existe um equilíbrio ideal a ser alcançado entre estratégia e identidade própria e esse equilíbrio parece ter vindo a desaparecer em Mourinho com o passar do anos. Acompanhar o Chelsea tem sido acompanhar uma equipa sem conseguir impor domínio seja em que campo for. Sem ter uma identidade bem vincada que obrigue o adversário a adaptar-se às adversidades impostas. O domínio coletivo outrora massacrante e asfixiante foi substituído por lampejos de inspiração individual, onde a equipa deixou de atuar como um todo segundo uma ideia global.

É por isso refrescante ouvir os seus comentários na antevisão do jogo de hoje com o FC Porto: 

"Mais do que falar do F. C. Porto tenho de me preocupar com a minha equipa, porque estamos numa fase em que a preocupação é o que nós fazemos e não é o que faz o adversário. Em condições normais estaria mais preocupado com o F. C. Porto do que aquilo que estou. Estou muito mais preocupado com a minha equipa. Muito honestamente nunca me preocupei tão pouco com os adversários como agora. Porque agora preocupo-me com a minha equipa".

Será interessante ver o desenrolar da história, não só no jogo de hoje mas no futuro a curto-prazo do clube inglês. Os conceitos que o mesmo há 10 anos atrás defendia e elevavam as suas equipas continuam a diferenciar os bons dos melhores. Revisitar o passado dará àquele que tanto conquistou a oportunidade de mais uma vez se diferenciar dos restantes no que mais importa: o jogo jogado.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Intencionalmente intuitivo

Poucas coisas darão mais prazer a um treinador do que ver os seus pupilos, em jogo, a empregar as suas ideias. Prazer e resultados, se as mesmas forem boas. Mas qual a melhor maneira de as transmitir?

Uma boa ideia por si só pouco alcança. Por outro lado, até a pior ideia pode cativar muitos se for entregue de forma eficaz. É fundamental saber como comunicar, quando, onde e porquê. Com mais ou menos vocabulário. Com mais ou menos intensidade, sempre dependendo do contexto da situação.

No entanto, nenhuma ideia se fixa mais intensamente do que aquelas que nós próprios descobrimos. Quando somos nós a arranjar soluções e não o colega ou o treinador, expande-se a vontade e a capacidade de criar e adaptar.

Numa realidade altamente complexa e imprevisível como o futebol, tal qualidade torna-se inestimável. Interessa pois a sua constante estimulação, para que perante diferentes situações as respostas seja variáveis (perante certa ideia de jogo) e não completamente padronizadas.

Mas foquemo-nos na transmissão de informação de emissor para recetor. As ideias da mente do treinador para as atitudes do jogador, através de uma aprendizagem... intuitiva.

Não é de descurar a fase de maturação do ouvinte quando falamos de comunicação, pela maior ou menor facilidade em compreender determinadas terminologias e conceitos. E, dependendo da personalidade, determinado jogador reagirá melhor ou pior perante modelos similares de comunicação. Mas se a mesma for feita de forma "indireta", germinando-se intencionalmente na mente do jogador sem que o treinador o force diretamente a tal... é mais de meio caminho andado para que se alcance o objetivo.

Voltando a uma das premissas iniciais, uma boa ideia pobremente transmitida não cria interesse. Sem interesse não existe continuidade. Pode acontecer por falta de capacidade do emissor ou por má-interpretação ou falta de vontade do recetor. Independentemente, o resultado é o mesmo.

O transfer para o treino é desde logo óbvio. É preciso saber construir exercícios para induzir comportamentos. Persuadir através de situações de jogo em treino para provocar o surgimento da ideia. Se determinado exercício conseguir obter do jogador o pretendido, com menor forcing do treinador, então o resultado será uma adoção mais natural do mesmo, mais permanente e mais eficaz. O jogador descobre por si próprio o caminho que deve seguir, sem precisar de procurar fontes exteriores para o fazer. Torna-se mais consciente, mais capaz e isso beneficia o todo.

É preocupante continuar a ver treinadores, especialmente em escalões mais jovens onde a capacidade de compreensão do jogo é menor, continuarem a apostar numa transmissão de ideias completamente unidimensional. Vocacionada, acima de tudo, para uma aquisição unilateral de conhecimento. Sem liberdade para os jogadores o descobrirem, ramificando-se a falta de autonomia e responsabilidade.

Induzir atitudes é bem mais complicado que simplesmente "mandar fazer", mas compensa pelo seu efeito duradouro. Por muita força que a lógica argumentativa possa ter, mesmo perante a vontade de aprender, não se equipara a uma experiência rica e positiva de auto-descoberta. O ser humano foi e sempre será regido por emoções. Cabe a quem lidera a tarefa de orientar essas emoções, dando-lhes uma direção que beneficie quem os rodeia.