sábado, 26 de março de 2016

Futebol juvenil: As excepções que nos fazem acreditar

Quando falamos em futebol juvenil não são raras as vezes em que associamos tal a fenómeno a comportamentos incorrectos e situações degradantes.

Durante treze anos de ligação ao futebol juvenil enquanto jogador tenho de admitir que foram raras as vezes onde não se ouviam insultos, assobios ou ameaças vindas da bancada, quer fosse em direcção aos árbitros, jogadores ou até mesmo equipa técnica. E isso leva-nos a um ponto crítico. Até que ponto a presença e comportamento incorrecto das pessoas presentes em jogos de crianças é benéfica para as mesmas?

Claro que o calor do jogo, a intensidade e a pressão são tudo factores que fazem uma criança desenvolver-se mental e fisicamente na prática do futebol, mas todos esses factores deveriam ser proporcionados pelo jogo dentro das quatro linhas e não pelo ruído das bancadas.

Num país onde cada vez mais o público do futebol juvenil se revela uma má influência no mesmo, temos de saudar e bater palmas aqueles que tentam ser diferentes. Temos de agradecer a todos os que tentam transmitir aos seus filhos o principal valor e objectivo da prática de uma modalidade desportiva que é divertirem-se.


Não têm de ser os pais a querer e a impor aos filhos o sonho de profissionalizarem-se, isso é uma vontade que tem de partir deles mesmos sem nunca se esquecerem do porquê de gostarem tanto de jogar futebol, seja na rua, num treino ou num jogo do campeonato, eles estão lá porque gostam de jogar e gostar do que fazemos será sempre o passo mais importante para sermos bem-sucedidos nisso mesmo.

Por isso, sigam o exemplo daqueles que mais interessam e deixem os vossos filhos aproveitar o momento que estão a viver no futebol juvenil. Cada agente tem o seu papel na prática do futebol juvenil e o do público é apoiar, não é treinar nem arbitrar. Por isso, deixem-nos crescer, deixem-nos errardeixem-nos viver e deixem-nos saborear aquela que pode ser a melhor passagem no desporto deles.

Em jeito de conclusão e de modo a justificar o título, tenho quase 14 anos de futebol em cima de mim, 13 como jogador e 1 como treinador, e foi neste ano que voltei a ganhar um pouco da esperança no futuro dos miúdos.  Foi bom poder verificar e assistir a pais preocupados com o facto do seus filhos se estarem a divertir em vez de criticarem as opções do treinador.

E são estas as excepções que nos fazem acreditar num futuro melhor para o futebol juvenil. Um futuro onde a exigência e o divertimento possam andar de mãos dadas sem serem precisas pressões adicionais da bancada. 

A estas excepções, o meu obrigado por estarem a fazer aquilo que é correcto.

quarta-feira, 23 de março de 2016

Negligenciando o básico?

Há uns dias atrás, no Congresso de Futebol organizado pela Bwizer, o professor José Soares deu uma excelente palestra onde o foco foi a sua especialidade: a vertente fisiológica do desporto. Acima de tudo, como pode a excelência nesse campo e os estudos que nele são feitos, dinamizar o futebol na prevenção de lesões e na optimização do rendimento desportivo.

O sentimento que existe no futebol atual pende muito para o lado tático e com toda a razão. O legado de Vitor Frade tem vindo a fomentar-se em virtude de vários sucessos, Mourinho à cabeça, um pouco por todo o lado. A Periodização Tática (http://pt.slideshare.net/PedMenCoach/periodizao-ttica-jos-guilherme-oliveira) diz-nos para treinamos como queremos jogar. A padronização de comportamentos de forma a condicionar as ações dos jogadores, para que as variáveis passíveis de orientação possam ser pendidas a nosso favor. Dentro de micro-ciclos semanais, encontramos espaço para treinar macro e micro-comportamentos, em grandes e pequenos espaços, com variações nos estímulos fisiológicos para que a preparação seja feita de forma variada e adequada. Uma das características que surge é a especificidade morfológica, onde a adequação das ações (físicas) para o jogar pretendido vem de arrasto com o estilo de jogo pretendido. Por outras palavras, um estilo de jogo onde a predominância advenha de transições rápidas, por exemplo, irá ser reproduzida, em treino, nessas mesmas condições. O jogador, pela adaptação a tais exigências irá, com tempo e treino, adaptar-se ao que lhe é exigido, como um todo. O mesmo pode ser dito de ações mais simples. Sabemos que um remate, por exemplo, exige uma força predominantemente fornecida pelos quadrícipes. Dado tempo e repetições suficientes, a adaptabilidade correta ao esforço irá acontecer. Ou não?

O futebol, um pouco à parte de outros desportos, tem vindo a mostrar alguma negligência pela vertente física do jogo, do atleta. Seja pelo facto de as criticas (bem feitas) ao exagero de um foco desreguladamente acentuado nas características condicionais em tempos passados que deixavam de lado fatores mais importantes, seja pela nova onda de educação que contrapôs essa mentalidade e, em boa verdade, deixa a milhas metodologias de décadas anteriores e se foca acima de tudo na vertente tática. De uma maneira ou de outra, se levadas muito a sério, podem ser extremos que não beneficiam a evolução neste campo e que continuam a não deixar haver um fundamental equilíbrio nas forças em questão.

Qualquer ação no jogo tem uma base "física", sejam um passe, um remate, uma simples deslocação. São manifestações anexadas a uma ideia sim, mas inerentemente físicas. Num pequeno aparte e parafraseando José Guilherme: "A técnica é a capacidade de um atleta de idealizar corretamente aquilo que quer fazer, manifestando-se depois essa idealização numa ação motora." No fundo, toda a técnica precisa de uma correta ação motora para ser bem realizada. Uma sem a outra não fazem sentido porque atuam juntas (cada uma no seu domínio) e em conformidade com a situação.

Mas divago. Agora, de volta ao tema em questão. Em qualquer movimento que fazemos, entram em ação músculos agonistas e antagonistas. Por outras palavras, sempre que solicitamos o esforço de um músculo (agonista), existe outro (antagonista) que equilibra a balança, para que o movimento seja completo e compensado. No caso do remate acima citado, existe uma solicitação (em extensão) dos quadrícípes, o que torna os isquiotíbiais os antagonistas desse mesmo movimento. O inverso se passa quando falamos de uma flexão do mesmo membro. Os protagonistas são os mesmos, mas com papéis diferentes.


E é aqui que o professor argumenta ser necessário um maior equilíbrio, falando de um défice que claramente existe comparativamente com outros desportos. Lesões traumáticas à parte (e às vezes nem isso dado que o cansaço através deste défice pode bem ser uma das razões para tal em alguns casos), no futebol ainda não existe uma preocupação suficiente para prevenir este tipo de acontecimentos. Podemos comparar esta situação com as ações de uma equipa em atacar prevenindo uma transição defensiva. Não interessa só atacar bem mas sim ter noção que depois disso temos de estar preparados para o momento que se segue, pensando o jogo (e o movimento) como um todo. Se atacamos considerando a hipótese de perdermos a bola e para isso dispomos os jogadores de acordo a terem sucesso numa eventual transição, porque não fazer o mesmo com as exigências musculares de cada atleta?

Vítor Frade costumava dizer que o músculo não é cego. É um órgão sensível, afetado por tudo o que o rodeia, até à mais pequena alteração "não-natural" dos seus companheiros. As alterações morfológicas desnecessárias provocadas pela exigência física fora do contexto de jogo (o treino de força tradicional) são prejudiciais e ditaram a ridicularização do mesmo. Mas José Soares traz bons pontos para a discussão e aborda o tema de um ângulo totalmente oposto, com uma argumentação refrescante. Fala em treinar (preparar o atleta para o esforço) para treinar para jogar, onde a força física tem de ser tida em conta no seu todo e não apenas pela sua manifestação "visível". A ver vamos para quando no futebol finalmente se enraizará uma maior consciência da preparação física.

sexta-feira, 11 de março de 2016

Xavi. Porque quem sabe, nunca esquece

Porque é impossível esquecê-lo quando se pretende falar sobre aqueles que melhor representam o bom futebol. Talvez o mais claro exemplo futebolístico do génio que cria arte para os outros, antes mesmo de a criar para si próprio. O expoente máximo de uma geração espanhola que aprendeu a dominar o jogo através da simplificação de processos, e de uma filosofia que marcou o Barcelona na história do futebol.

Porque, valorizando-se tanto neste espaço a tomada de decisão e a criatividade no futebol, ele é uma referência incontornável. O derradeiro pragmático. Tudo o que faz tem a objectividade como prioridade máxima. Todas as acções que toma têm como grande objectivo aproximar a sua equipa do golo, da vitória. Toda a criatividade que apresenta possui naturalidade. A naturalidade de quem sabe que só tendo a bola pode brilhar. De quem a protege e guarda, portanto, de forma instintiva. De quem apenas a entrega em segurança, porque sabe que ela tem o poder de ser o elemento mais vital de todo o jogo. 

No Qatar, ao serviço do Al-Sadd, continua a fazer aquilo que melhor sabe fazer, e que faz como ninguém. Quem sabe, nunca esquece, e para quem joga o futebol como ele, a idade não é um problema.

Eis Xavi Hernández. Em vídeo. Porque é um crime para o futebol não podermos mais vê-lo nos grandes palcos, semanalmente.



segunda-feira, 7 de março de 2016

Manchester City : Os milhões de um plantel mal construído


Em 2008 o Manchester City foi tomado de posse pelo árabe Al Mubarak. O dinheiro árabe logo se fez sentir quando Robinho aterrou em Manchester vindo de Madrid a troco de 43 milhões de euros. O City tem, desde então, gasto muito dinheiro em jogadores. Exemplos de Tevez, Adebayor, Lescott, David Silva, Yaya Toure, Milner, Javi Garcia, Navas ou Fernandinho. Se há dinheiro bem gasto, embora talvez excessivo, também há dinheiro mal gasto e que tem retardado um sucesso mais constante do clube. Olhando a frio para os números, vamos para a 8º época do árabe à frente do clube e o City ganhou 2 títulos de campeão: um com dois golos nos descontos frente a um quase despromovido QPR e outro graças a uma vitória sobre uma equipa de reservas do Chelsea em Anfield, com o famoso escorregão de Gerrard. Mais grave que isso é o desempenho do City na Liga dos Campeões.

Este ano, como sempre, os citizens voltaram a gastar muito dinheiro. Sterling, Otamendi, De Bruyne e Delph custaram cerca de 200 milhões de euros. Jogadores com muita qualidade, são boas adições ao plantel do City mas para mim voltaram a descurar o reforço do plantel no seu todo, na sua profundidade. Não nos enganemos, o City pode facilmente formar um onze fantástico:

XI - Hart, Zabaleta, Kompany, Otamendi, Kolarov, Fernandinho, Touré, Silva, Sterling, De Bruyne, Aguero.

Top mundial. Onze para ser campeão em Inglaterra e para brilhar nas provas europeias. No entanto, uma época é longa, existem lesões, um calendário apertado e com ele uma necessidade crónica de rotatividade. Estamos numa fase crucial da época e o calendário apertou para o City, com jogos frente ao Tottenham e ao Leicester, com a eliminatória para a Taça de Inglaterra com o Chelsea, com a eliminatória da Liga dos Campeões frente ao Dínamo Kiev e com a final da Carling Cup frente ao Liverpool. Com isto, frente ao Chelsea para a Taça, o City apresentou o seguinte onze:

XI - Caballero, Zabaleta, Adarabioyo, Demichelis, Kolarov, Fernando, A.Garcia, M.Garcia, Celina, Iheanacho, Faupala.

Olhando para o onze, só Zabaleta e Kolarov supostamente são titulares. O City até tem opções, mas ou têm em abundância para certos lugares, ou tem jogadores (demasiado) bem pagos que acrescentam pouco ao plantel. Como exemplo, a questão dos laterais suplentes. Ou no ataque, onde para mim existem 4 números "10" nesta equipa (Touré, Silva, De Bruyne e Nasri) e apenas 2 extremos (Navas e Sterling) fazendo com que jogadores como Silva e De Bruyne acabem por deambular para as alas.

O City, com a contratação de Guardiola, tem agora uma oportunidade fantástica de se afirmar, finalmente, como uma equipa regular na Europa. No entanto, convém melhorar a distribuição dos milhões na profundidade do plantel.